Luz para os prematuros
Pesquisadores da Medicina desenvolvem dispositivo que determina com mais precisão a idade gestacional de bebês nascidos antes da 37ª semana
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 15 milhões de bebês nascem prematuros a cada ano, e um milhão morre por causa das complicações da prematuridade, que lidera as causas de morte neonatal e é responsável pela metade dos casos de comprometimento neurológico em crianças. Na maioria dos casos, esses bebês precisam receber cuidados especiais, como suporte respiratório e controle de temperatura, ou ser encaminhados a uma unidade neonatal. Para que isso ocorra de maneira satisfatória, é necessária a identificação exata da idade gestacional, calculada, atualmente, por um pediatra ou enfermeiro neonatólogo treinado.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina desenvolveram um dispositivo que se vale da luz de LED – batizado de Projeto Skinagem – para conferir mais precisão à idade gestacional. Segundo a professora e coordenadora do projeto, Zilma Reis, as técnicas disponíveis fazem o cálculo com erro de duas a três semanas e dependem de um profissional treinado na área, enquanto que, com o dispositivo, patenteado pela equipe, a margem de erro é de 11 dias, nas primeiras 48 horas de vida.
Outra vantagem é que essa estimativa pode ser feita por qualquer profissional da maternidade. “Em lugares como a África, apenas 5% das mulheres têm acesso à ultrassonografia. A grande maioria, portanto, não dispõe de parâmetros para identificar a idade gestacional. Dessa forma, quem mais se beneficiará dessa tecnologia são os países de baixa e média renda, onde não há pediatra na sala de parto ou não é comum fazer o pré-natal”, afirma Zilma Reis.
As conclusões do estudo foram publicadas no mês passado, na revista Public Library of Science, com o título Newborn skin reflection: Proof of concept for a new approach for predicting gestational age at birth. A cross-sectional study. O artigo descreve os resultados dos testes realizados nas maternidades do Hospital das Clínicas da UFMG e do Sofia Feldman, com 115 recém-nascidos de 24 a 41 semanas, que pesavam entre 150g e 3,5kg.
Na pele
A identificação da idade gestacional, segundo a professora Zilma, é feita por meio da reflexão da luz na pele, analisada com um algoritmo que a ajusta ao peso e às condições do ambiente de incubadoras. São utilizadas três cores de luz de LED, energia considerada barata e acessível. Cada uma tem um comprimento de onda de luz que identifica determinado elemento da pele: colágeno, queratina e glóbulos vermelhos. “A luz interage com a pele, e a forma como ela se reflete gera um fenômeno que conseguimos analisar cientificamente. Um bebê prematuro, que tem a pele muito fina, absorve mais luz e reflete pouco. À medida que ele vai amadurecendo, a pele fica mais espessa, refletindo mais luz”, exemplifica.
A equipe do projeto escolheu as duas maternidades para os testes por se tratar de ambientes hospitalares de excelência, nos quais era possível ter certeza das idades gestacionais para comparação do resultado oferecido pelo dispositivo. “Precisávamos de parâmetros confiáveis. As mães deveriam ter feito ultrassom desde o início da gravidez e todo o acompanhamento pré-natal”, justifica Zilma Reis, acrescentando que, com base nos testes, foi possível criar o modelo tecnológico para ser aplicado em locais que não oferecem as mesmas condições.
Docente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Zilma Reis afirma que a identificação da idade gestacional dos bebês recém-nascidos é um problema mundial, e a falta dessa informação pode comprometer suas chances de sobrevivência. “Em razão do tamanho, o bebê pode ser considerado aborto ao nascer – situação em que não é possível garantir sua sobrevida – e deixar de receber todo o cuidado necessário”, afirma a professora.
Outro aspecto ressaltado por Zilma é o limite entre o bebê a termo – nascido a partir de 37 semanas de gestação e que geralmente não precisará de suporte respiratório – e o de 35 ou 36 semanas. Identificar os prematuros alerta para os cuidados especiais que devem receber, como controle da temperatura.
Novos testes
Zilma Reis informa que os próximos passos deverão envolver testes em outros ambientes e produção e distribuição de um número maior de dispositivos para o desenvolvimento de pesquisa multicêntrica no Brasil e no exterior – neste caso, com suporte de colaboradores internacionais. Ela também defende que a tecnologia seja testada em outros bebês, de cores de pele diferentes, e por mais profissionais para verificar se o resultado inicial será confirmado: “Neste momento de escassez de recursos para custear pesquisas no país, buscamos mais financiamentos, nacionais e internacionais, e hospitais colaboradores para a etapa de validação. Também estamos avaliando as possibilidades de reunir parceiros para produção desse novo equipamento no Brasil”, anuncia.
O projeto foi financiado pela Bill & Melinda Gates Foundation e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Ele foi selecionado entre as iniciativas apoiadas pela sétima edição do Building Global Innovators (aceleradora internacional de tecnologias) e apresentado na terceira edição do WHO Global Forum on Medical Devices, da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizada neste ano. Mais informações estão disponíveis no site do Projeto (http://skinage.medicina.ufmg.br/index.php/pt/).
[Matéria publicada no Portal UFMG, em 2/10/2017]