O caminho é o digital?
A provocativa pergunta pautou debate que reuniu professores e jornalistas na segunda edição do Colóquio Universidade e Comunicação Pública, promovido, no mês passado, pelo Centro de Comunicação (Cedecom) da UFMG, para o qual tive a honra de ser convidado. Mesmo consciente da dificuldade de responder a essa pergunta de forma enfática e consensual, busquei contribuir com reflexões que podem nos levar a concluir que, sim, o caminho do jornalismo é o digital. Mas isso não significa abandonar, nesse percurso repleto de tantas adaptações, aquilo que a profissão tem de melhor.
No livro Inversão de papel: prioridade ao digital, um novo ciclo de inovação para jornais impressos, de minha autoria e lançado agora em julho pela Editora Insular, discuto a priorização da produção de conteúdo informativo para as plataformas digitais, em redações com um fluxo de trabalho até então regrado pelo ritmo do impresso, como um novo e necessário ciclo de inovação em empresas jornalísticas. Trata-se de um movimento que acarreta mudanças de formatos narrativos e de processos de produção, com impactos em diferentes frentes, promovendo, por exemplo, a antecipação das jornadas de trabalho e a criação de diferentes deadlines no mesmo dia – processo que exige investimento em pessoal, tanto em quantidade quanto em qualidade, diante da necessidade de novos perfis e do respeito às questões trabalhistas.
No caminho rumo ao digital, são necessárias novas formas de pensar, assim como mudança de comportamento e de ação prática no fazer jornalístico. É fundamental, no entanto, preservar a essência, o jornalismo reconhecido como utilidade pública, a informação verdadeira e relevante para uma sociedade democrática, o trabalho de apuração e checagem realizado com responsabilidade por profissionais – características necessárias independentemente da plataforma de distribuição. No entanto, resistir ao que muda em todo o entorno profissional na era digital é, além de não se preparar para o futuro, negar o próprio presente.
Ao olhar para o passado, desde a incorporação da internet às redações jornalísticas, percebemos que, nesses mais de 20 anos de experimentações mundo afora, inicialmente replicando no meio on-line o que se fazia em outras plataformas, muita coisa mudou radicalmente. Aos poucos, diante dos recursos que só a rede oferece e com técnicas em constante modernização, passou-se finalmente a produzir conteúdo pensado especificamente para o ambiente digital, aproveitando características como a hipertextualidade e o alcance proporcionado, a multimidialidade como integração de diferentes recursos e a interatividade como nova forma de se relacionar com o público. Nesse contexto, a apresentação da notícia e da reportagem na internet é, ou pelo menos tem potencial para ser, diferente das publicadas em papel ou exibidas na rádio ou na TV. E isso potencializa a força da narrativa jornalística.
Ao mesmo tempo que apresenta novas potencialidades, a internet traz grandes desafios. O resgate da credibilidade, em razão da acentuada velocidade do ritmo de apuração, é um dos pontos cruciais que devem ser trabalhados. O que precisa ser desmitificado, no entanto, é a ideia de que a internet é um espaço sobretudo para publicação de textos curtos, superficiais e imediatistas. Se, em algum momento do passado, foi realmente assim, hoje, definitivamente, essa não é a regra geral. A organização do trabalho é outro ponto-chave no cenário contemporâneo. Estudado e debatido ao longo das últimas décadas, o conceito de convergência encontra definições mais eficientes na teoria do que na prática.
Tantas transformações exigem que o próprio modelo de negócio das empresas jornalísticas seja repensado. Rentabilizar com sucesso o jornalismo profissional na era digital é uma questão ainda sem resposta. No entanto, entre dúvidas que permeiam o setor, alguns pontos já são fato concreto, como o dado de que, desde meados de 2014, na média do mercado mundial, os jornais estão conseguindo mais dinheiro do público que paga para acessar conteúdo do que dos anunciantes, grupo que foi a principal fonte de renda dos impressos nos últimos anos.
Os desafios são grandes. O público que paga pelo conteúdo digital precisa crescer em quantidade e em valor numa velocidade mais acentuada. Com investimento e inovação, porém, bons resultados estão aparecendo. Essa necessária disposição em investir e inovar com foco na plataforma digital é o que chamamos aqui de inversão de papel. Saudosismos à parte, há certo consenso no discurso de gestores de que o produto impresso está diretamente ligado à geração que o consome atualmente e que não está sendo renovada. O jornalismo continua. O que muda é a plataforma.
* Doutor em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul)
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