Senhora das águas

Em bloco

Rede de universidades de países do BRICS foi criada para desenvolver cooperação bilateral e multilateral

Marcelo Camargo/Agenda Brasil/Fotos Públicas

Os programas de pós-graduação em Economia, Ciência da Computação e Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG foram selecionados para integrar a Universidade em Rede do BRICS (grupo de países emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A UFMG é a instituição brasileira com maior número de programas de pós-graduação selecionados para integrar a iniciativa, formada por 12 propostas aprovadas pelo Ministério da Educação. 

Todas foram apresentadas por programas de pós-graduação de excelência – notas 6 ou 7 na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O resultado da seleção foi divulgado em março. A seleção contemplava seis grandes áreas: Ciência da Computação e Segurança da Informação, Ecologia e Mudanças Climáticas, Economia, Energia, Estudos dos BRICS e Recursos Hídricos e Tratamento da Poluição. A Universidade em Rede do BRICS foi estruturada para favorecer o desenvolvimento de programas bilaterais e multilaterais de ensino e pesquisa, a formação conjunta de mestres e doutores e o intercâmbio de discentes, docentes e pesquisadores.

Desde a primeira reunião de ministros da Educação do BRICS, em novembro de 2013, a intenção era criar uma rede de cooperação universitária com temas relacionados às necessidades dos países-membros do bloco. Em março de 2015, foi estabelecido um grupo para negociar os princípios e objetivos da rede, e cada integrante criou o seu Comitê Coordenador Nacional (CCN). Na terceira reunião ministerial, em novembro de 2015, os representantes dos cinco países assinaram o memorando de entendimento que formalizou o estabelecimento da rede.

Economia comparada

Albuquerque: sistemas econômicos diferentes
Albuquerque: sistemas econômicos diferentes Foca Lisboa

Intitulado Comparative development: emergent issues in BRICS countries, o projeto coordenado pelo professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG Eduardo da Motta e Albuquerque envolve todos os professores do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Econômicas.

“A ideia era submeter um projeto de atividades de ensino e pesquisa em rede, ou seja, que envolvesse os pesquisadores, professores e alunos das universidades dos outros países do bloco. Além disso,

queríamos desenvolver atividades que abordassem o desenvolvimento comparado desses países”, afirma o professor.

Albuquerque ressalta que, apesar de integrarem um mesmo bloco, os países-membros têm sistemas econômicos diferentes, característica que precisa ser levada em conta ao se elaborar projetos de pesquisa em conjunto. “O capitalismo da Rússia surgiu como resultado do colapso do modelo estalinista. A China tem um capitalismo singular, e a Índia também construiu uma trajetória ímpar, influenciada pela colonização britânica. A África do Sul, recém-saída do apartheid, apoia-se em um complexo mínero-industrial, e o Brasil também carrega suas especificidades”, diz. Para ele, essa heterogeneidade é o maior desafio da Universidade em Rede do BRICS. “Qualquer projeto precisa levar em consideração especificidades de cada economia”, analisa o professor. 

O projeto aprovado na área de economia pretende entender como o desenvolvimento dos países-membros pode ser considerado resultado da construção de uma forte base industrial tecnológica, algo que, segundo o professor, ainda falta ao Brasil.

Albuquerque também salienta a -influência da desigualdade social. “Esse fator e a busca pelo progresso tecnológico são características que abrem uma agenda de pesquisa comum. Elaboramos um projeto de desenvolvimento comparado para compreender os elementos comuns e importantes para o progresso desses países. A economia é uma área globalizada por natureza, por isso manter essa relação sistemática com os países-membros é tão importante para o Brasil”, defende o professor.

Ciberfísicos

Chaimowicz: dispositivos de coleta de dados
Chaimowicz: dispositivos de coleta de dados Foca Lisboa

Sob a coordenação do professor do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG Luiz Chaimowicz, o projeto Cyber-physical systems for massively connected society explora os sistemas ciberfísicos, que são aqueles capazes de integrar hardware e software de forma ubíqua e abrangente.

“Hoje em dia, temos diversos dispositivos que coletam, enviam e processam dados. O hardware está intrinsecamente conectado ao software. O advento da Web e das redes sociais também trouxe a necessidade de aprendermos a lidar com grandes volumes de dados. Daí a importância de um projeto que trate desse assunto”, diz.

O projeto do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação pretende estudar diversas questões relacionadas à atuação de dispositivos que coletam e filtram informações relevantes em meio a dados massivos. A iniciativa envolve várias áreas da ciência da computação, como redes de computadores e de sensores (que captam os dados) e gerenciamento, análise e tratamento da informação, além do campo da robótica, que promove a atuação inteligente no ambiente. 

Chaimowicz destaca que a escolha pelo tema relacionado aos sistemas ciberfísicos é importante porque acompanha as mudanças do mundo moderno. “Antes, para um programa rodar, era necessário ter um computador. Hoje, os dados podem ser coletados e processados em relógios, tablets, celulares e outros dispositivos. Essa integração dos sistemas é algo forte na nossa sociedade”.

 No caso da Ciência da Computação, o professor destaca que as parcerias com os outros países integrantes da rede visam à criação de cursos em conjunto e a mobilidade de alunos e professores. “Para nossos estudantes, haverá mais oportunidades de intercâmbio e troca de conhecimentos. Para a sociedade dos países que integram o BRICS, esse projeto é importante porque investiga problemas bastante atuais e relevantes,

utilizando os sistemas de hardware e software que simplificam a vida das pessoas. Estamos analisando e moldando a computação do futuro”, conclui Chaimowicz.

Recursos hídricos e saneamento

Nilo Nascimento: busca soluções compatíveis
Nilo Nascimento: busca soluções compatíveis Foca Lisboa

O projeto da UFMG aprovado na área de saneamento, meio ambiente e recursos hídricos é coordenado pelo professor Nilo de Oliveira Nascimento, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia. Intitulado Water resources, sanitation and environment management: research, education and innovation in the BRICS economies, ele propõe pesquisas para reduzir e otimizar o consumo de água nos países do bloco.

“Temos, no Brasil, um grave problema de escassez de água em áreas do Nordeste e do Sudeste. Há investimentos grandes para explorar os mananciais, e, quando o uso das bacias compromete a qualidade desses mananciais, há perdas muito grandes para a sociedade. Ao mesmo tempo, essas bacias favorecem a produção de alimentos e a atividade agropecuária. A escassez de água é comum a todos os países do Brics. Eles precisam compatibilizar o uso da água, sem comprometer a geração de renda”, explica.

Nilo Nascimento acredita que, ao se debruçar sobre carências comuns aos cinco países na área de abastecimento de água e saneamento, a rede encontrará soluções compatíveis para todos. “Todos, por exemplo, estão atrasados na área de tratamento de esgotos. No Brasil, temos algumas tecnologias simples que poderiam ser aplicadas na Rússia, na Índia, na China e na África do Sul. Discutir a questão científica e tecnológica de base para o tratamento de esgoto e resíduos sólidos é apenas um exemplo de demanda comum que poderá ser solucionada pela rede”, analisa.

Segundo o professor, a participação da UFMG na rede também atende aos anseios de internacionalização dos seus programas de pós-graduação. “Nosso departamento não tem relações fortes com a Rússia e a China, então é uma oportunidade de aproximação”, vislumbra.

Como o saneamento é um problema de todos os países do BRICS, ele acredita que será mais fácil encontrar novas soluções por meio de pesquisas realizadas em grupo. “Nossa área é de ciências aplicadas, logo nossos projetos de pesquisa costumam virar algo prático. Nossa intenção é, por meio das parcerias com as universidades dos países do BRICS que vão integrar a rede, desenvolver produtos e técnicas úteis para a sociedade”, conclui.

Luana Macieira