Congresso organizado na UFMG aborda o diálogo entre comunicação e política
Mesas, GTs e oficinas vão abordar democracia e opinião pública em tempos de desinformação e fake news; evento começa nesta segunda, 24
No Brasil e em outras partes do mundo, a pandemia de covid-19 potencializou a apropriação das mídias digitais por parte de políticos e instâncias governamentais. E marcas fortes desse fenômeno são a desinformação e a produção e circulação de fake news. Essa é uma das abordagens centrais do 9º Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), que será realizado de forma virtual, de 24 a 28 de maio, e é organizado pelo Grupo Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral, em parceria com o Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, ambos da UFMG. As inscrições seguem abertas.
O congresso, que já reúne perto de 400 participantes, terá oficinas (as turmas já estão completas) sobre análise de conteúdo e etnografia em ambientes digitais, entre outros temas; sessões de grupos de trabalho, em que serão apresentadas investigações sobre aspectos como práticas da política online, propaganda eleitoral, governo e parlamento digital; mesas para o debate de temas como Desinformação, populismo e despolitização, Pesquisas de opinião, Invisibilidade, reconhecimento e interseccionalidade.
Segundo a professora Regiane Lucas Garcêz, do Departamento de Comunicação Social da Fafich, após a fundação da Compolítica, há 15 anos, os dois campos de estudo têm gradualmente intensificado o diálogo. “A convivência coletiva é cada vez mais atravessada pelos meios de comunicação, e a comunicação tem se dado sobre outras linguagens e a lógica das redes. Nesse período de pandemia, hábitos e crenças sobre questões relacionadas à saúde estão no centro da produção de notícias falsas e da desinformação, que se promove com a manipulação da verdade e a difusão de teorias conspiratórias, por exemplo”, afirma Regiane, que está à frente do congresso. A professora Helcimara Telles, do Departamento de Ciência Política, é a presidente do evento.
O eixo temático apoiado em pandemia e fake news orienta uma série de trabalhos selecionados para o evento, de acordo com Regiane Lucas – pesquisadores analisam circulação de notícias, pronunciamentos, comportamento eleitoral e da opinião pública, entre outros aspectos. A abordagem geral dá bem a ideia da complexidade dos fenômenos ao suscitar debates sobre temas como pesquisas de opinião, populismo e relações da comunicação com gênero e raça.
Experiências das lideranças
O congresso vai receber pesquisadores que atuam fora do Brasil, como Mario Riorda, da Universidade Austral, na Argentina, consultor de campanhas eleitorais, e Mauro Porto, da Universidade de Toulane (EUA), especialista em estudos latino-americanos sobre mídia e política. Foram convidados também a vereadora em Belo Horizonte Duda Salabert (PDT), a ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) e o filósofo e cientista político Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, para a mesa Pandemia: desinformação e lideranças políticas. Um dos objetivos é que eles compartilhem suas experiências relacionadas à capacidade da comunicação de fortalecer ou deslegitimar a representação política.
A professora Vanessa Veiga, do Departamento de Comunicação Social, que estará na mesa Desinformação, populismo e despolitização, destaca a articulação da tradição do congresso, que junta referências acadêmicas na interação de comunicação e política, com um debate muito atual, que vai atravessar todas as atividades. “Nesse contexto de discussões acaloradas sobre assuntos como eleições e pandemia, é importante que a academia se reúna para pensar sobre questões que afetam o nosso dia a dia e vão afetar nosso futuro. Precisamos discutir como a vivência da pandemia, por exemplo, é influenciada por esse contexto polarizado”, afirma. Para Vanessa, a polarização não é necessariamente negativa, e ela defende o debate sobre “o que nela nos dá essa impressão e como trabalhar com a polarização, o controverso, para produzir algo novo e positivo”.
A respeito do tema da mesa de abertura, Vanessa Veiga chama a atenção para a ideia de despolitização, ou seja, a deslegitimação de questões do interesse coletivo, que são levadas para o âmbito do privado. “Temos visto isso nas polêmicas sobre a obrigatoriedade de se usar máscaras ou tomar vacinas. O movimento é para tirar a decisão da esfera pública e da atribuição do Estado com o argumento do direito individual. O problema é que a decisão de cada um afeta o coletivo”, diz a pesquisadora, lembrando que os processos de despolitização são fortemente atravessados pela desinformação.
Pragmatismo sem limites
O professor Mario Riorda vai participar da mesa Opinião pública, campanhas políticas e a percepção do eleitorado, que será mediada pela pesquisadora Érica Anita, do do Grupo Opinião Pública. Em depoimento enviado por e-mail, ele lembra que a perda de legitimidade dos partidos políticos leva ao crescimento de movimentos antissistema, que agregam insatisfação social a pautas de representação. “No entanto, cumprir expectativas de representação é um desafio complexo, e, quando elas não são cumpridas, os consensos são precarizados. Consensos, argumentos e ideias foram substituídos pelos discursos, que são simples, centrados em fatos e pessoas. Trata-se de um pragmatismo sem limites éticos e procedimentais: o discurso justifica os meios”, comenta o professor da Universidade Austral.
Riorda vê as campanhas eleitorais como “um espetáculo de fratura exposta”. Mais que ganhar, os candidatos têm que pisotear a forma de ser do outro. Não basta que o rival tropece, é preciso que ele caia e seja ferido e humilhado”, afirma. “Campanhas cheias de desânimo, descontentamento e incerteza agravaram os sentimentos de raiva e medo, o que provocou, por exemplo, a derrota dos candidatos de situação em todas as eleições nacionais nas Américas desde o início da pandemia.”
A programação em detalhes e outras informações estão no site do congresso.