Inovação desenvolvida na UFMG captura até 17% de CO₂ gerado por caminhões
Material reage quimicamente com o gás e o absorve, impedindo a liberação do poluente para a atmosfera; pedido de patente acaba de ser depositado no INPI
O Brasil emite mais de dois bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa por ano, sendo que o mais abundante deles é, hoje, o dióxido de carbono (CO₂) – gás produzido sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural. Em tempos de superaquecimento do planeta, mitigar essa emissão e seus efeitos é um dos principais objetivos estratégicos das nações que pretendem “adiar o fim do mundo”, expressão cunhada pelo pensador indígena brasileiro Ailton Krenak.
A solução definitiva para o problema está longe de ser alcançada e, certamente, terá de passar por medidas profundas e transnacionais, mas uma inovação desenvolvida nos laboratórios do Departamento de Química da UFMG promete colaborar nesse processo. Trata-se de material absorvente de CO₂ desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos com apoio de grandes empresas e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Nos últimos testes realizados, o material foi capaz de capturar algo entre 7,7% e 17,2% de dióxido de carbono produzido pelo sistema de combustão de caminhões.
Esses índices foram alcançados em situações reais de circulação, em testes realizados já em campo, e não apenas em laboratório. No teste que gerou os resultados citados, um caminhão percorreu cerca de 170 quilômetros, passando por trechos rodoviários, urbanos e rurais, em um trajeto de cerca três horas e meia. A captura de 7,7% foi alcançada na circulação total do trajeto; a de 17,2%, no percurso urbano.
Economia circular
A captura do dióxido de carbono depende da instalação de um reator diretamente nos caminhões; nesse reator se armazena o material absorvente – esferas de cerca de um centímetro de diâmetro – que realiza uma reação química com o gás quando ambos entram em contato em determinada temperatura. Assim, à medida que o caminhão vai circulando e seu sistema de combustão libera CO₂, o material faz a captura desse gás, impedindo que ele seja remetido à atmosfera. Retido, o gás pode ser regenerado e reutilizado controladamente pelas várias indústrias que se valem desse insumo, como a química e a de alimentos.
A metodologia utilizada no caminhão para a captura do gás e sua medição é chamada de Real Driving Emissions (RDE), desenvolvida em 2016 e implantada na Europa em 2017. Segundo Jadson Cláudio Belchior, professor do Departamento de Química da UFMG, a metodologia está atualmente em fase de homologação no Brasil. “Até então, medições desse tipo eram todas feitas em laboratório, onde o veículo e seus parâmetros, como a rotação e o torque do motor, são monitorados e bem controlados. Com a RDE, o veículo sai efetivamente para a rua, o que possibilita alcançar um resultado mais condizente com as emissões reais de seu uso”, explica o professor.
Jadson Belchior é o coordenador geral do projeto por meio do qual a inovação foi desenvolvida. É dele e de um grupo de alunos de graduação e pós-graduação a autoria da inovação.
Patente registrada
O depósito do último pedido de patente relativo à tecnologia foi realizado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no dia 23 de janeiro, mas as pesquisas da equipe de Jadson são desenvolvidas desde 2007. De lá para cá, cerca de 20 patentes foram registradas no Brasil e nos EUA, de modo a estabelecer as propriedades industriais dos avanços parciais que, relacionados ao invento, foram sendo alcançados. Algumas dessas inovações dizem respeito, por exemplo, ao aumento da resistência mecânica do material, que hoje já é capaz de operar em vários ciclos de captura e regeneração do CO₂.
Jadson rememora a história de concepção da inovação. “De modo geral, essa história se organiza em três etapas. A primeira vai de 2007 a 2009, quando fizemos o nosso primeiro depósito de patente relacionado a um material cerâmico capaz de capturar CO₂. Na época, conseguíamos fazer a captura em uma temperatura de cerca de 600 ºC, o que já era um avanço. A segunda etapa ocorreu sobretudo de 2015 a 2018, quando empresas como a Petrobras e a Fiat [hoje Stellantis] se envolveram no financiamento do projeto”, ele lembra. Na época, o material foi aprimorado, de forma a se conseguir a captura do CO₂ em temperaturas de cerca de 300 ºC.
A terceira etapa ocorreu após a pandemia. Em 2021, foi preparado novo projeto em parceria com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e com uma indústria de veículos. Em seguida, em 2022, esse projeto foi contemplado com recursos do Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística do Governo Federal, que fomenta o desenvolvimento do setor automotivo do país. O novo projeto possibilitou alcançar os atuais percentuais de captura do gás.
Mobilidade verde
“Montadoras de veículos colocaram como expectativa o patamar de 8% de captura de CO₂ só em 2040. Nós estamos alcançando esse percentual de captura 15 anos antes”, comemora Jadson. O pesquisador lembra ainda que os resultados obtidos com a inovação vão ao encontro das metas estabelecidas pelo Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), criado pelo governo federal no ano passado como desdobramento do Rota 2030, que já visava reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030, em relação às emissões de 2011.
Com o novo programa, o objetivo é estimular mais diretamente os investimentos em novas rotas tecnológicas e aumentar as exigências de descarbonização da frota automotiva brasileira, incluindo carros de passeio, ônibus e caminhões. Para isso, planeja-se expandir os investimentos em eficiência energética no país.
A tecnologia desenvolvida no projeto de Jadson Belchior possibilita a captura do CO₂ em temperaturas na faixa de 100 ºC. Ele vislumbra a possibilidade de se fazer a captação em temperaturas ainda menores, o que será particularmente importante para reduzir o custo energético e viabilizar economicamente o processo. Segundo o professor, a tecnologia desenvolvida se mostra promissora para a captura não apenas em veículos, mas também em estruturas industriais emissoras de CO₂.