Institucional

Pesquisadores discutem uso de línguas como projeto de poder e construção de identidades

Michel DeGraff, Alberto Guarani Mbyá, Bruna Franchetto, Gilvan de Oliveira e Heliana Mello
Michel DeGraff, Alberto Guarani Mbyá, Bruna Franchetto, Gilvan de Oliveira e Heliana Mello Foca Lisboa / UFMG

O papel das línguas na formação da identidade e seu emprego como forma de estabelecer poder foram temas que nortearam as discussões da mesa-redondaIdentidades e línguas, que integra programação da Conferência internacional sul-americana: territorialidades e humanidades. As apresentações, mediadas pela professora Heliana Mello, da Faculdade de Letras da UFMG, ocorreram na tarde desta terça-feira, 4, no auditório da Faculdade de Ciências Econômicas, campus Pampulha.

Michel DeGraff (MIT, EUA) explorou exemplos de preconceito linguístico
Michel DeGraff (MIT, EUA) explorou exemplos de preconceito linguístico Foca Lisboa / UFMG

Abrindo a discussão, o pesquisador haitiano Michel DeGraff (MIT, EUA) explorou alguns exemplos de preconceito linguístico, com foco na expansão do uso do francês em seu país de origem, denominado por ele como “o maior apartheid linguístico da história do Haiti”.

Utilizando vídeo de entrevista concedida pelo presidente francês, François Hollande, durante visita ao país caribenho, DeGraff teceu críticas ao real objetivo da francofonia no Haiti. “O presidente da França disse que o francês faz parte da formação da identidade haitiana. Quem conhece o Haiti sabe que o francês não é falado nem por 5% da população. A identidade do haitiano é formada pela língua crioula”, defendeu.

No vídeo, Hollande ainda defende que o idioma francês seja ensinado, no Haiti, exclusivamente por franceses. Segundo DeGraff, esse depoimento ilustra o objetivo da francofonia: um projeto de poder cujo objetivo é manter a hegemonia francesa no país caribenho.

“A utilização do francês em instituições de ensino é uma violação dos direitos dos cidadãos haitianos. A criança cresce falando o crioulo e vê seu idioma nativo ser excluído do sistema educacional”, argumentou.

Alberto Guarani Mbyá, professor de língua guarani na Universidade Federal Fluminense (UFF)
Alberto Guarani Mbyá, professor de língua guarani na Universidade Federal Fluminense (UFF) Foca Lisboa / UFMG

Em seguida, Alberto Guarani Mbyá, professor de língua guarani na Universidade Federal Fluminense (UFF), exibiu curta-metragem que explora língua, hábitos e outros aspectos da vida dos índios guarani no Brasil. Atualmente, o professor também realiza oficinas de formação em aldeias.

“Nosso objetivo, nessas atividades, tem sido ensinar modos de produzir filmes e explicar a importância que esse recurso audiovisual tem para o registro do modo de viver dos povos guarani. Os filmes são um caminho para documentar a própria língua, fortalecendo-a nas próprias comunidades falantes”, defendeu.

Alberto Mbyá, que cursa a Licenciatura Intercultural para Educadores Indígenas ofertada pela Faculdade de Educação da UFMG, explica que o português, embora língua oficial do Brasil, é, para ele, uma segunda língua. “Para mim, o português nasceu na ponta de uma caneta”, sentenciou.

Diversidade linguística no Brasil
A valorização das diversas línguas faladas pelos povos indígenas brasileiros foi defendida pelos pesquisadores Gilvan Müeller de Oliveira (UFSC) e Bruna Franchetto (UFRJ). Ambos abordaram a importância do respeito às línguas que compõem a identidade desses povos no país. “O Brasil é o oitavo país mais multilíngue do mundo, mas é comum as pessoas, inclusive os brasileiros, pensarem que aqui só se fala português”, afirmou o professor.

Gilvan de Oliveira:
Gilvan de Oliveira: "Precisamos de políticas públicas que ajudem a resgatar identidades linguísticas apagadas pela construção de uma identidade nacional baseada na língua portuguesa”

De acordo com Gilvan de Oliveira, há no Brasil pelo menos 200 municípios onde “maiorias ou ‘grandes minorias’ falam outras línguas além do português”. Também lembrou que diversos municípios reconhecem, por meio de decisões de suas respectivas Câmaras de Vereadores, línguas indígenas como cooficiais, possibilidade inaugurada pela Constituição de 1988, que garante, no artigo 231, o direito dos índios às suas línguas.

“Essas cidades estão distribuídas em quatro das regiões do Brasil, com exceção do Nordeste, a mais monolíngue do país. Precisamos de políticas públicas que ajudem a resgatar identidades linguísticas apagadas pela construção de uma identidade nacional baseada na língua portuguesa”, defendeu.

A pesquisadora da UFRJ Bruna Franchetto
A pesquisadora da UFRJ Bruna Franchetto Foca Lisboa / UFMG

A pesquisadora da UFRJ Bruna Franchetto também se demonstrou favorável à manutenção das diversidades linguísticas no Brasil. Durante sua apresentação, ela mostrou alguns dados do Censo de 2010, realizado pelo IBGE, que revelou a existência de 274 línguas indígenas no Brasil.

“Os linguistas ficaram surpresos, pois trabalhavam com a existência de cerca de 160 línguas indígenas no Brasil. Mas o que nos assusta é o silenciamento delas pelo Estado, pelos meios de comunicação e pelos sistemas de ensino, onde o idioma do colonizador é hegemônico”, criticou.

De acordo com dados do Censo de 2010, 37,4% dos autodeclarados indígenas afirmaram falar uma língua ameríndia e 17,5% informaram desconhecer o português. “Esses dados revelam um quadro geral: a transmissão das línguas nativas entre as gerações tem diminuído”, contextualizou. Para a pesquisadora, essa constatação é preocupante “e ajuda a reforçar a importância de iniciativas como a do professor Alberto Guarani Mbyá de registrar em filmes a expressão dessas línguas, como forma de perpetuar o conhecimento e transmiti-lo a novas gerações”, completou.

A Conferência internacional sul-americana: territorialidades e humanidades integra as comemorações dos 90 anos da UFMG e prossegue até sexta-feira. A programação pode ser consultada no site do evento.