Institucional

UFMG discute construção de políticas institucionais de divulgação científica

Mesa reunirá o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, e o presidente da Fapemig, Evaldo Vilela

A UFMG Jovem é uma das iniciativas da Universidade para a divulgação científica entre crianças e jovens
UFMG Jovem é uma das iniciativas da Universidade para a divulgação científica entre crianças e jovens Zirlene Lemos / UFMG

Nesta segunda-feira, 2, pesquisadores envolvidos com a comunicação pública da ciência participam do 7° Fórum de Cultura Científica da UFMG. O evento será realizado das 18h30 às 21h, no auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), campus Pampulha. As inscrições devem ser feitas pela internet.

A construção de políticas institucionais de divulgação científica será discutida em mesa-redonda com o reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel, e o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Evaldo Vilela.

O diretor de Divulgação Científica da UFMG, professor Yurij Castelfranchi, explica que o evento, realizado semestralmente, é a parte mais visível do trabalho desse grupo de pesquisadores oriundos de diversas unidades acadêmicas, que realizam outras reuniões ao longo do ano. “Este é um momento de juntar as ideias, focalizar um tema específico e construir um debate propositivo”, resume.

Segundo Castelfranchi, o físico Marcelo Knobel atua em uma área de pesquisa de ponta, em laboratório, e sempre esteve na militância da divulgação científica. Participou ativamente das atividades do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade, unidade transdisciplinar da Unicamp dedicada principalmente à divulgação, e contribuiu para a fundação do Museu Exploratório de Ciências da mesma universidade. “Ele conhece a divulgação de perto, tem essa sensibilidade, e agora também é reitor de uma instituição que sempre desenvolveu políticas e práticas bastante explícitas para comunicar a ciência”, diz Castelfranchi.

Para o professor, a Fapemig é outro pilar na discussão de políticas de divulgação no Brasil, porque há vários anos mantém práticas nesse campo. Segundo ele, a instituição conscientiza o pesquisador que recebe o financiamento da importância de contar para a sociedade o que está fazendo, e fornece meios para isso, com editais direcionados a estruturas e projetos de divulgação científica. “Além disso, sua unidade de jornalistas e divulgadores é extraordinária”, enfatiza.

Em entrevista ao Portal UFMG, Castelfranchi também falou sobre a estreita ligação entre a cidadania científica e a extensão, no formato adotado pelas universidades latino-americanas. Ele explica que as novas formas de comunicar a ciência e os novos públicos fazem com que se crie um novo lugar, chamado por alguns de fórum híbrido, no qual a ciência e a sociedade dialogam e todos aprendem. “Por isso, não dá mais para chamar essa atividade apenas de divulgação. Usamos outros termos, como cidadania científica ou engajamento social na ciência e tecnologia, que são eventualmente até mais ambíguos, mas que mostram que nossa prática não se limita a transmitir informações”, argumenta.

Uma das metas da gestão iniciada, há três meses, pelo professor na Diretoria de Divulgação Científica (DDC) é mapear o que a UFMG está fazendo em divulgação, tanto no sentido clássico do termo, quanto no aspecto novo, de divulgação com participação social. Ele acredita que o órgão pode ser um lugar que ajude esses grupos a se manterem em sinergia, oferecendo-lhes apoio e visibilidade. “Outro objetivo é pensar a divulgação cada vez mais integrada aos conceitos, às diretrizes e aos objetivos da extensão”, acrescenta.

Yurij Castelfranchi: estreita ligação entre a cidadania científica e a extensão
Yurij Castelfranchi: estreita ligação entre a cidadania científica e a extensão Júlia Duarte / UFMG

“Comunicar a ciência é fazer democracia"

O que é o Fórum de Cultura Científica da UFMG?
O Fórum surgiu anos atrás a partir de uma iniciativa inovadora, espontânea e horizontal de vários especialistas engajados na divulgação científica, no jornalismo científico ou na divulgação em ciência, portanto, em quase todas as unidades da UFMG. Nesta edição, vamos discutir as políticas institucionais de divulgação científica, tema importantíssimo. 

A divulgação científica sempre foi vista e tratada, por muitos anos, tanto por nós, acadêmicos, quanto pelos gestores, como uma atividade meio lateral, em parte filantrópica, para democratizar conhecimento para o povo, algo que o cientista fazia depois da pesquisa. Mas isso mudou radicalmente nos últimos anos, e é urgente repensar essa cultura acadêmica de relação com a divulgação e as políticas para o setor. Queremos identificar o que está sendo feito no Brasil e o que pode ser feito na UFMG, em termos de políticas inovadoras ou de manutenção da divulgação científica.

Que desafios estão colocados para as universidades públicas no campo da comunicação da ciência?

Yurij Castelfranchi
Castelfranchi: extensão tem uma potência particular na América LatinaJúlia Duarte / UFMG

Agora, que estou nesse cargo, vejo quão rica é a presença da UFMG na extensão em geral e na divulgação científica. Com uma bagagem riquíssima, a extensão da UFMG é uma das mais emocionantes que conheço. Passamos muito tempo achando que o Brasil tinha chegado tarde à divulgação científica, mas cada vez mais observo que isso é um terrível engano.

O que os europeus estão descobrindo, na verdade, é algo que fazemos com outros nomes, há décadas, porque a extensão tem uma potência particular na América Latina. Enquanto na Europa as universidades focalizaram, sobretudo, a transferência de conhecimento para a indústria, na América Latina surgiram formas de fazer divulgação científica, práticas de participação e diálogo e de ensinar que hoje são consideradas como revolução paradigmática. É importante olhar para o que estão discutindo na Europa, que também pensa em inovar nesse campo, mas devemos lembrar que aqui temos uma bagagem de criatividade, de diálogos entre grupos com uma extraordinária diversidade social que lá não tem.

Queremos mapear o que a UFMG está fazendo em divulgação, tanto no sentido clássico do termo, quanto no aspecto novo, de divulgação com participação social. Mas também queremos conhecer as pessoas e organizar um portal que dê visibilidade a esses projetos. A DDC pode ser um lugar que ajude esses grupos a se manterem em sinergia. Outro objetivo é pensar a divulgação cada vez mais integrada aos conceitos, às diretrizes e aos objetivos da extensão.

De que modo a extensão se configura como esse novo modo de divulgação científica?
A palavra divulgação nasce no iluminismo francês – vulgarisation. A ideia remete a disseminar, injetar, transferir fagulhas de conhecimento para um povo que é imaginado como ignorante, portanto, irracional. O iluminismo tinha esse projeto de tirar o povo das trevas da superstição e dotá-lo da racionalidade própria da ciência. Esse projeto foi fundamental para construir a democracia.

Continuamos a usar a palavra "divulgação", mas com novo sentido, que é empoderar pessoas. Por isso, deve ser pensada a partir de outra lógica: em vez de se perguntar o que as pessoas ignoram, é necessário entender o que elas sabem e o que estão fazendo com o que sabem, com o intuito de aglutinar conhecimentos e adotar práticas participativas para alcançar o que se quer, com maior potência e facilidade. É um cruzamento de conhecimentos, para construir uma democracia mais forte. Por isso, os modos de atuar também têm de funcionar diferentemente.

Os museus de ciência, por exemplo, que tradicionalmente tinham uma aura de templos, em que se entrava um pouquinho intimidado para contemplar as invenções maravilhosas, cada vez mais são vistos como praças, lugares de encontro das pessoas para discutir até temas controversos de ciência.

É uma mudança muito grande nos objetivos da divulgação, e cada vez mais surgem práticas de participação, como o conceito de citizen science, ou ciência cidadã: em vez de explicar para uma comunidade a importância de proteger o meio ambiente, pode-se envolver essas pessoas como pesquisadores. É possível dizer: temos essas espécies de orquídeas, raríssimas, que estão aqui em alguns lugares. Vocês nos ajudam, desenhando, tirando foto, descobrindo? Isso envolve as pessoas, e elas, fazendo pesquisa, aprendem realmente o que é ciência. A Nasa faz isso, e todas as grandes instituições pedem ajuda aos cidadãos para fazerem pesquisa. E isso já existia na tradição latino-americana.

De que forma?
Todas essas ideias de conselhos, com participação democrática, nos quais não são os especialistas que decidem e depois explicam. É todo mundo junto, cada um trazendo o que sabe da sua realidade e decidindo juntos. Há muitos experimentos assim no Brasil. Em certa medida, a pedagogia de Paulo Freire trata disso – as comunidades participam, não são só alvo e público receptor, passivo. Nas décadas de 1970 e 1980, Chico Mendes contribuiu para inventar um modo revolucionário de conservação ambiental. Um modelo baseado na ideia de que, para salvar as florestas, era importante envolver as pessoas que moram nelas.

Os exemplos de Paulo Freire e Chico Mendes revelam que a América Latina nunca fez divulgação somente de caráter iluminista, no modelo tradicional. Sempre foi obrigada a escutar o conhecimento, as invenções, as ideias que vinham de baixo, de pessoas supostamente ignorantes. Trata-se de juntar essas experiências, riquíssimas, com experiências também inovadoras que vêm da Europa, e inventar nosso jeito.

E é possível incorporar esse modelo à prática acadêmica?
Claro! Tenho um colega na Argentina que estuda espécies invasoras, um dos efeitos da globalização. Seria impossível ter 500 bolsistas para ir a todos os lugares, por isso, nada melhor do que envolver os moradores locais. E às vezes descobre-se que as pessoas sabem coisas que os cientistas não sabiam. Outra prática inovadora é o Movimento Maker, que já existe em Belo Horizonte. É a ideia de botar as pessoas numa mesa para montar coisas. Em vez de ensinar eletrônica, reúne-se um monte de peças, e as pessoas montam. Mas isso dá para fazer também com o conceito de democracia, por exemplo, desmontar e remontar. O que significa? Como está funcionando?

Por isso estou tão entusiasmado com esse fórum, porque acho que é um momento importantíssimo de se reinventar. Ainda mais agora, nessa crise terrível, com esses cortes brutais e insensatos. As universidades são instituições que ainda têm uma destacada legitimidade na sociedade, especialmente as públicas. Neste momento de desmonte, é muito importante cruzar essas competências e mostrar que realmente fazemos algo importante para a sociedade. A divulgação está associada à democracia, não somente no sentido de ensinar coisas, mas de dar poder às pessoas.

A sociedade também já se posiciona de forma diferente perante a ciência?
Sim, costumo dizer para os meus alunos que o público não é um paciente com uma doença cognitiva de falta de informação. Os novos públicos são agentes, têm conhecimento, experiências e objetivos. Além disso, atualmente há vários tipos de públicos totalmente diferentes, e o papel do divulgador e do jornalista também é reconfigurado. Não somos nós que fornecemos a informação, ela está em tudo quanto é lugar. Nosso trabalho muda, não é mais o de dar informação, é de torcer para conseguir capturar um mínimo de atenção à nossa leitura da informação.

Além de ter à disposição inúmeras fontes de informação – incluindo as robotizadas e fake –, muitos grupos se recusam a ter mediação. Há vários estudos de casos que mostram que pacientes de doenças crônicas montam comunidades on-line para troca de papers de ciência e às vezes produzem dados epidemiológicos, para ter voz nas decisões sobre suas terapias ou até mesmo questionar parte das práticas médicas. Na mesma linha, há os movimentos ambientalistas, que produzem contrarrelatórios de impacto ambiental. A Telethon, uma das maiores maratonas televisivas na Europa, foi organizada, em alguns países da região, por pacientes de doença genética, para arrecadar dinheiro e financiar pesquisas. Trata-se de um público que não aceita ser passivo.

Castelfranchi: quando ciência e sociedade dialogam todos aprendem
Castelfranchi: todos aprendem quando sociedade e ciência dialogamJúlia Duarte / UFMG

Essa postura não fere interesses estabelecidos?
Sim. Na minha área acadêmica, a Sociologia da Ciência e Tecnologia, observamos o forte impacto que esses movimentos tiveram na ciência; em alguns casos, até contribuíram para repensar metodologias científicas. Como ocorreu com os pacientes soropositivos na década de 1980, na Califórnia, que fizeram experiências em si mesmos para acelerar a aprovação de certos remédios e até para questionar parte dos protocolos científicos adotados pela comunidade médica. É um embate difícil, mas às vezes mudam os dois lados, é um aprendizado coletivo.

A nova divulgação e os novos públicos geram um novo lugar, chamado por alguns de fórum híbrido, no qual a ciência e a sociedade dialogam e todos aprendem. Por isso, não dá mais para chamar apenas de divulgação. Fazemos isso, mas fazemos mais do que divulgar: fazemos democracia. E usamos outros termos, como cidadania científica ou engajamento social na ciência e tecnologia, que são eventualmente até mais ambíguos, mas que mostram que nossa prática não se limita a transmitir informações.