Sobre a arte da tragédia grega
Alexandre Flores Alkimim
Geralmente, a palavra tragédia assume, entre nós, sujeitos da modernidade, uma conotação eminentemente negativa, simbolizando quase sempre um acontecimento com desfecho terrível e catastrófico. No entanto, para os gregos, tragikós tinha outro significado. Tragédia era um gênero artístico, uma forma de drama, encenada para caracterizar o conflito existente entre uma personagem, o herói, condenado ao seu infortúnio, e alguma instância maior de poder: os deuses, o destino, as leis e a própria sociedade.
Suas raízes não são claras, remontam à época da tradição religiosa da Grécia antiga e da rica poética produzida nesse período. Portanto, o espetáculo cênico, concernente às tragédias, realizava-se por meio do canto, da dança e dos ditirambos (versos irregulares que buscam exprimir entusiasmo ou delírio) em homenagem ao deus grego Dionísio (mais conhecido entre os romanos como Baco). A temporada das tragédias ocorria durante as Dionísias Urbanas, ou Grandes Dionísias, festival em que os tragediógrafos (autores de tragédias) participavam e concorriam, cada um, com três tragédias e uma peça cômica.
Para Aristóteles, a tragédia clássica grega deve cumprir três condições: ter personagens de elevado destaque (heróis, deuses e reis), possuir uma linguagem elegante e digna e apresentar um desenlace que sempre redunde no sacrifício e/ou na destruição dos seus personagens. Ademais, a tragédia visa provocar nos seus espectadores o que Aristóteles chama de katarsis, ou simplesmente catarse, a profunda compaixão e o envolvimento emocional da plateia com a encenação e o destino de sofrimento reservado ao herói da peça. Para o filósofo, o teatro realiza uma função pedagógica precípua, a de educar emocionalmente o indivíduo.
Vale salientar que as tragédias causaram o despertar de uma nova consciência filosófica. Elas inspiraram os estoicos ao demonstrar os estragos provocados pelas paixões humanas e alertar aqueles que não se deixam guiar pela prudência e racionalidade. E também influenciou as filosofias socrático-platônica e, particularmente, a ético-moral de Aristóteles. Na obra Ética a Nicômaco, Aristóteles fundamenta toda a sua explicação com base nos elementos fornecidos pela tragédia: os excessos e os extremos da ação humana. Para Nietzsche, tais tradições desviaram a atenção dos gregos das tragédias para a filosofia, concentrando a atenção no puro entendimento e deixando de lado os aspectos mais interessantes da sabedoria trágica: o sentimento de potência, a afirmação da existência, a vontade de vida, entre outros.
Até então, filólogos, estetas e historiadores haviam definido um só princípio para a arte dramática grega: o apolíneo. Consideravam-na como arte da ponderação e do domínio de si. Privilegia-se, nessa concepção, o conhecimento em detrimento da arte e a racionalidade como fonte da moralidade. Nietzsche, portanto, contrapõe essa visão unívoca da tragédia com outra noção, denominada por ele de dionisíaca, que trabalha valores estéticos baseados nas mais virulentas paixões e nos mais exacerbados sentimentos. Essa visão é uma releitura que Nietzsche faz da antiguidade clássica, já que o filósofo se apropria criativa e criticamente desse outro lado do pensamento trágico.
Cabe, ainda, mencionar os autores que se destacaram nesse período: Ésquilo (525-455 a.C.), que aborda em suas peças o castigo e a culpa de seus personagens, marcados por sentimentos coléricos (intensos) e pensamentos sombrios; Eurípides (480-406 a.C.), que analisa o drama do homem comum – o homem como ele realmente é –, elegendo como temas centrais o amor e o ciúme; e Sófocles (497-405 a.C.), considerado o maior autor trágico grego, que trata especialmente da relação entre o divino e o humano. Como exemplo disso, podemos citar sua trilogia – Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona –, que explora a ideia de humanidade de forma mais abrangente, apontando desafios e contradições de toda ordem, e questiona o poder dos deuses e a autoridade do Estado (no caso específico de Antígona).
Outro exemplo são As bacantes, de Eurípides, cujo tema é a chegada do deus Dionísio à cidade de Tebas, onde, como em uma espécie de deus-espelho, cumpre a tarefa de ajudar as pessoas a refletir sobre o que elas realmente são, possibilitando-lhes o autoconhecimento e a aceitação/reconhecimento do outro. Por fim, Ésquilo, com o seu olhar cáustico e sua análise contundente acerca da condição humana, materializados nas peças Agamemnon, Os persas, Prometeu acorrentado, Sete contra Tebas, entre outras.
Como diria o próprio Aristóteles, “a tragédia é a imitação de uma ação séria e concluída em si mesma que,... mediante uma série de casos que suscitam piedade e terror, tem por efeito aliviar e purificar a alma de tais paixões”.