A Universidade e seu legado
No mundo ocidental, o conceito de patrimônio cultural surge quando a arte ganha autonomia, no período Renascentista, época em que desponta o ideal de criação que libertou os artistas de coerções políticas, sociais e religiosas.
A historiografia revela que, à época, a definição do termo patrimônio era restrita e correspondia à ideia de conjunto de bens culturais que remetiam às identidades coletivas. No Brasil, o conceito de patrimônio cultural surgiu no século 18, com os ideais nacionalistas divulgados durante a Revolução Francesa.
A preocupação com os bens culturais em âmbito nacional teve início em 1920, quando um grupo de intelectuais percebeu a inércia do Estado e da elite em relação à preservação de bens, como edificações e coleções. A partir da década de 30, surgem ações de incentivo a políticas públicas preservacionistas – a principal foi a criação do Sphan (Serviço Nacional de Proteção ao Patrimônio Histórico e Nacional, atual Iphan) pelo presidente Vargas, que regulamentou a proteção ao patrimônio.
Uma ação que contribuiu significativamente para a salvaguarda dos bens culturais foi a promulgação da Constituição de 1988. Seu artigo 216 amplia a definição de patrimônio cultural brasileiro como bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade nacional, memória de diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Frente às recentes comemorações da Semana do Patrimônio, propomos a reflexão acerca da preservação dos bens culturais inserida no processo educacional brasileiro. O patrimônio cultural tem merecido abordagem pouco significativa, considerando sua relevância. O patrimônio cultural estimula a memória, elemento essencial para a formação da identidade de uma comunidade. E não se tem priorizado a reflexão sobre a memória, seja por meio dos bens culturais ou das recordações. Seria a universidade um espaço para essa reflexão?
Em 2017, a UFMG completará 90 anos, e, na celebração, nosso olhar estará voltado para a história da instituição e suas marcas indeléveis na formação de gerações de indivíduos críticos e éticos, que geram e difundem o conhecimento científico, tecnológico e cultural. A trajetória histórica da UFMG é contada também pelo testemunho de documentos, acervos, livros, artefatos e monumentos. A Universidade possui acervo cultural enorme, com mais de 1.600 obras distribuídas em diversos espaços. Há obras de valor cultural inestimável e conjuntos como Coleção Brasiliana, Coleção Amigas da Cultura, Coleção Henriqueta Lisboa e Murilo Rubião, esculturas de grande porte (como Galileu, de Wilde Lacerda, e Monumento ao barroco, de Sylvio de Vasconcellos). Há ainda os centros de memória das unidades, que guardam verdadeiro tesouro sobre evolução técnico-científica das profissões. Isso sem falar em museus como o de Ciências Morfológicas e o de História Natural e Jardim Botânico.
Todos esses bens culturais representam o patrimônio cultural da UFMG, legado deixado para as gerações presente e futura. Esse acervo ilustre e desconhecido compõe a memória e a identidade institucional e está carente de políticas preservacionistas. É preciso enfatizar esse aspecto, pois, se não forem tomadas medidas de salvaguarda, correremos o risco de perder esse patrimônio e, com ele, nossa história de 90 anos.
A comunidade universitária tem pouco envolvimento com o acervo, tanto no que concerne ao conhecimento e à consciência patrimonial quanto no que se refere ao cuidado. Há algumas iniciativas importantes, como palestras e seminários sobre patrimônio e educação patrimonial, realizados pelo Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor), da Escola de Belas-Artes (EBA). Fundado em 1978, o Cecor deu origem à especialização em Conservação e Restauração de Bens Culturais e, recentemente, ao Curso de Conservação-Restauração em Bens Culturais. Atualmente, o Cecor e o Curso de Conservação e Restauração são de inquestionável importância na formação de profissionais qualificados e éticos para atuarem na preservação do patrimônio cultural nacional.
Destacamos, ainda, iniciativas como a do Projeto Memória, Acervo e Arte, que resultou na publicação do inventário das obras artísticas da Universidade, em 2011, por membros do Cecor, da EBA e convidados.
O diálogo entre os cursos da Universidade – Conservação e Restauração, Museologia e Arquivologia – pode e deve contribuir no intercâmbio de conhecimento e práticas. Faz-se mister, também, a realização de parcerias ou convênios interinstitucionais com órgãos de fomento como Iphan, Iepha, CNPq e Capes, além da iniciativa privada, a fim de garantir a salvaguarda dos bens. E se essas parcerias forem viáveis, por que não estendê-las aos bens culturais de Belo Horizonte, quiçá do estado de Minas Gerais? Sabemos que o maior guardião dos bens culturais não é outro senão a própria comunidade à qual eles pertencem. Ações como as citadas necessitam de incentivo da comunidade. São elas que fazem valer o tripé formado por ensino, pesquisa e extensão, tão caro à Universidade.