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Curso de má-criação

Livro infantil apresentado como trabalho de conclusão de curso na EBA propõe que crianças explorem o mundo sem tanta preocupação com as regras

 

Em sua infância, vivida em Liberdade, no Sul de Minas, o artista plástico Fernando Ferreira se intrigava quando os mais velhos acusavam uma criança de ser malcriada: "Eu refletia sobre o que seria tal má-criação, que muitas vezes era ser contra o padrão imposto pelos adultos."

 

Essa memória que nunca o abandonou foi o "gatilho" que levou Ferreira a produzir a obra Pequeno livro de malcriações para crianças bem-criadas, seu primeiro trabalho destinado ao público infantil. O projeto, que propõe a subversão de valores normalmente difundidos pela literatura para crianças, está em processo de financiamento coletivo para publicação e será apresentado em novembro no 11º Jogo do Livro, organizado pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação.

Já nas primeiras páginas do livro, o leitor depara com uma saudação ao que teria sido a primeira má-criação da história, uma referência à figura bíblica de Eva, expulsa do Paraíso após desobedecer a uma ordem divina. A releitura de fatos de caráter religioso, por sinal, está presente em diversos aspectos da construção da obra, servindo de inspiração para os desenhos, juntamente com as figuras mitológicas gregas. "Procurei, por exemplo, me apropriar das imagens de lustres e arabescos, muito presentes nas igrejas. Gosto dessa riqueza de detalhes, que chega a ser barroca e das variações de forma", conta.

Menino-árvore

 

Além da referência às figuras religiosas, Fernando Ferreira se inspirou no poeta mato-grossense Manuel de Barros (1916-2014), seu grande mestre nas artes, para a criação do personagem menino-árvore, que aprende sobre o mundo fora da escola, com os elementos da natureza. "Manoel de Barros traz muita liberdade com as palavras, pois as desloca de seus sentidos mais comuns. Ele faz uma má-criação com as palavras", define.

 

Durante sua experiência de estágio no Centro Pedagógico, o artista manteve contato com o sistema educacional, que, segundo ele, falha em não formar cidadãos mais autônomos, na medida em que reforça o valor na boa criação. "Antigamente, os servos que trabalhavam na casa eram chamados de criados. Portanto, o termo carrega esse sentido de servidão e obediência", afirma Fernando Ferreira, que acredita que, ao quebrar algumas regras, as crianças podem explorar mais a criatividade e desenvolver melhor suas habilidades.

 

Essa crença está materializada no próprio formato da publicação, que desafia o leitor a participar da narrativa. Entre desenhos articulados, um envelope e técnicas de pop-up – que favorecem a inclusão de elementos tridimensionais nas páginas –, a criança é confrontada com figuras monstruosas e questionamentos em tópicos como estereótipos de gênero. "Além de seu viés moralista, os livros infantis, em muitos casos, consideram as crianças muito ingênuas, mas é possível trabalhar assuntos que os adultos consideram pesados, como morte e sexualidade", propõe o autor.

 

Livro: Pequeno livro de malcriações para crianças bem-criadas

Autor: Fernando Ferreira

Editora: Crivo Editorial

Financiamento coletivo aberto até 14 de novembro pelo endereço.

 

 

Jeisy Monteiro