Dodecafonismo à brasileira
Professora da Música revela em livro como Guerra-Peixe conciliou produção de vanguarda e nacionalismo em meados do século 20
No início da década de 1940, em meio à turbulência da Segunda Guerra, o alemão naturalizado brasileiro Hans-Joachim Koellreutter introduziu no Brasil o dodecafonismo, que aparecia como alternativa à música tonal, absolutamente dominante no cenário nacional, nos segmentos populares e eruditos. A novidade teve eco entre músicos brasileiros, ansiosos por trilhar caminhos novos, mas encontrou forte resistência do establishment político e cultural, que percebeu o dodecafonismo como ameaça a um projeto nacionalista que era representado, por exemplo, pelas ações de Heitor Villa-Lobos, alinhadas com as diretrizes da ditadura de Vargas.
Nesse contexto de embate, o compositor fluminense César Guerra-Peixe (1914-1993) buscou a conciliação entre a técnica estrangeira e a música tradicional brasileira, como o choro e os modos nordestinos. "Ele queria fugir da tradição nacionalista defendida por compositores como Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, que, segundo Guerra-Peixe, haviam caído num academicismo composicional. Sua produção no período entre 1944 e 1949 juntava elementos da vanguarda musical europeia com outros de sua cultura, garantindo, assim, a comunicação com o público de sua época", explica a professora Ana Cláudia de Assis, da Escola de Música da UFMG, que acaba de publicar o livro Os doze sons e a cor nacional: conciliações estéticas e culturais na produção musical de César Guerra-Peixe (1944-1954).
Integrante da Coleção Olhares, parceria do Programa de Pós-graduação em História da UFMG com a editora Annablume, a obra tem origem em tese de doutorado defendida por Ana Cláudia em 2006. Além de estender o alcance de sua abordagem – o conteúdo já é, naturalmente, conhecido de pesquisadores da área –, a publicação do texto tem o objetivo de valorizar a originalidade e o interesse teórico-metodológico que a tese desperta.
"Esse trabalho foi movido pelo desafio de compreender a história pela música, quando é mais comum tentar explicar a música por meio da história", comenta a pesquisadora e pianista, que estruturou seu trabalho, em boa parte, nas cartas trocadas entre Guerra-Peixe e o musicólogo teuto-uruguaio Francisco Curt Lange, cujo acervo está abrigado na UFMG.
Ana Cláudia de Assis conta em seu livro que, nas peças do período em que Guerra-Peixe adotou o dodecafonismo, o compositor "infiltra elementos da música do povo" – para usar termos do próprio compositor – na série de 12 sons.
"Ele encontrava formas de inserir intervalos melódicos característicos do baião, por exemplo, ou um suingue típico do jazz", diz a autora, que recorreu ao arcabouço metodológico da história para interpretar as cartas e contextualizar as opções estéticas e a produção de Guerra-Peixe. "Eu quis dar voz às músicas, ouvindo as partituras como documento histórico e não apenas artístico", explica Ana Cláudia, que contou com orientação da professora Regina Horta Duarte, da Fafich.
Com o passar dos anos, de acordo com a pesquisadora, à medida que o compositor conciliava o dodecafonismo com os modos populares, "a cor nacional vai pesando mais, e ele se afasta da técnica, até romper de vez". Cada volume de Os 12 sons e a cor nacional é acompanhado de um CD com seis obras de Guerra-Peixe executadas pela autora.
Livro: Os doze sons e a cor nacional: conciliações estéticas e culturais na produção musical de César Guerra-Peixe (1944-1954)
Autora: Ana Cláudia de Assis
Editora: Annablume
Coleção: Olhares, do Programa de Pós-graduação em História
220 páginas
Lançamento: 5 de novembro, às 18h, na livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi)