Realidade Olímpica

Minas, um paradigma arbitrário

Existe um paradigma mineiro que persiste desde o Brasil Colônia e se mistura no imaginário popular e na cultura das Minas Gerais: a mineração. Legitimar ou rompê-lo, buscando sua ressignificação e novas alternativas socioeconômicas, é um ideal a ser construído. Geologicamente rica em minerais estratégicos, a Terra das Alterosas viu sua paisagem ser descaracterizada pelas crateras minerárias ao longo dos últimos três séculos.

 

Mas, afinal, por que Minas Gerais? Seria proposital o gentílico mineiro? Por que o estado, mais que os outros, é sinônimo de mineração e de suas intempéries? É preciso acabar com esse patético círculo vicioso, transformando as "Minas" de poucos nas "Gerais" de todos. Minas Gerais, não apenas dos mineiros mineradores, e, sim, dos mineiros legítimos e autênticos, os que se misturam ao lugar e tecem suas vidas e suas histórias. Mineiros que sonham com novos ares, em que a mineração não seja prioridade e não estrague a paisagem. Uma Minas onde a geologia seja interpretada diferentemente, elucidando o fantástico processo de formação da Terra. Nesse sentido, o patrimônio geológico deve ser apropriado para conhecimento da história geológica do planeta.

 

Segundo os dicionários, a palavra mineiro significa operário que trabalha em mina ou proprietário de mina. O termo etimologicamente relaciona-se à existência de mina ou de terreno minerário. Por consequência, razão ou circunstância, ele designa o natural ou habitante do Estado de Minas Gerais. Historicamente, o território mineiro vincula-se à mineração, que se caracteriza como a principal atividade econômica durante o período colonial e até hoje alimenta a égide urbano-industrial capitalista dos tempos contemporâneos. Assim, as Minas de ouro do passado são hoje as Minas do minério de ferro, as Minas do manganês, as Minas da degradação, as Minas da destruição. Por mais que leis ambientais e processos de licenciamento existam, a mineração assassina a alma de um lugar, condena-o ao pleno esquecimento, à morte, à inexistência. Cultura, memória, ecologia e paisagem se esvaem em minerodutos, vagões ferroviários e voltam sob novos formatos, novas necessidades no âmbito do consumismo neoliberal globalizado.

 

O movimento da sociedade "mineira", nos últimos sete anos, questiona a legitimidade desse paradigma e denuncia sua arbitrariedade. Em outubro do ano passado, ele foi parcialmente vitorioso no caso da demarcação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, último reduto de mata atlântica da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Coincidência ou não, a decisão ocorreu entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais. Tentaram agradar a gregos e troianos, e o que se conseguiu foi mobilizar ainda mais uma sociedade. Dos 38.210 hectares reivindicados para proteção da biodiversidade, apenas 31 mil foram definidos como parque. As paisagens do Gandarela destacam-se por relevos movimentados com formações de serras, escarpas e vales. A geologia da região, associada aos processos intempéricos, é responsável pela escultura das formas e formações dos solos. A presença de diferentes litologias é legado de significativo valor científico, pedagógico e turístico. Porém, a parte mais estratégica, de excepcional valor cênico, paisagístico e biológico, foi extirpada para ser presenteada às mineradoras. Um inigualável patrimônio, com variadas espécies endêmicas, foi amplamente desconsiderado.

 

Aspectos geológicos, estruturais e geomorfológicos – como paleotocas, afloramentos, cavernas, cangas lateríticas, bacias de sedimentação e vales encaixados – correm riscos. Além disso, áreas estratégicas de recarga de aquíferos estarão comprometidas, pois sua dinâmica atrela-se à litologia, já que a canga funciona como filtro de absorção da água, e o armazenamento ocorre nos itabiritos e quartzitos. O direito à água, indispensável à sobrevivência da vida, é ignorado. As cangas, além dos processos hidrológicos, também possibilitam a formação de espécies endêmicas nos campos rupestres.

 

Ao observar a dinâmica do ambiente (interações geodinâmicas e formação de paisagens) e as pressões dos diferentes atores sobre ele, percebe-se que a proposta para a área do parque e entorno potencializa o desenvolvimento de atividades e estudos programados relativos a aspectos físicos, ecológicos e/ou sociais. Nesse contexto, a região apresenta paisagens cênicas com valiosos atributos e características naturais e culturais. Assim, ressaltar o potencial educativo e turístico dessa região delineará uma nova perspectiva para a sociedade mineira, rompendo com o histórico econômico, outrora consolidado, e inaugurando uma valorização ecológica e verdadeiramente sustentável.

 

Compreender o patrimônio geológico da Serra do Gandarela vai além do ideal de conservação. Torna-se também uma importante ação direcionada à percepção da dinâmica existente na paisagem. É preciso dizer "não"! Não sou mineiro, sou minense! Não compactuo com o interesse dos grandes grupos minerários que exportam minerais estratégicos e importam impactos, destruição e descaracterização.

 

Por isso, é indiscutível a importância do Parque Nacional da Serra do Gandarela, não fragmentado e dilacerado, mas inteiro, uma vez que ele contribuirá para a preservação do restante das paisagens naturais ainda intocadas do Quadrilátero Ferrífero. Sou minense, das minas d’água, águas que vertem para a vida. Sou minense de um quadrilátero que teimam em chamar ferrífero. Quadrilátero de alma hídrica a matar sede e a alimentar o sonho de milhões.

 

Bacharel em Turismo e mestre em Geografia, com ênfase em Análise Ambiental, pelo Instituto de Geociências da UFMG
Educador e mobilizador da Rede Ação Ambiental com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo.

Charles de Oliveira Fonseca Vagner Luciano de Andrade