Todos os textos estão mesclados desde a criação
Entrevista com Jørgen Bruhn
A intermidialidade, que consiste na interseção do texto com imagens e sons, é um fenômeno apressadamente associado à modernidade propiciada pelas novas plataformas tecnológicas. No entanto, ele está longe de ser algo recente, pondera o professor de literatura comparada Jørgen Bruhn, da Universidade Linnæus, na Suécia. “Existem poemas gregos de mais de dois mil anos que carregam imagens, elementos visuais nas palavras. Essa história é bem longa”, diz Bruhn, que esteve na UFMG, neste mês, como convidado do Programa Cátedras Fundep/Ieat.
Reconhecido especialista em análise midiática, o professor lecionou um minicurso na UFMG para alunos de áreas como Música, Letras, Belas-artes e Comunicação e ministrou conferência durante a quinta edição da Jornada Intermídia. E ainda encontrou tempo na agenda apertada – sua estada na Universidade durou menos de duas semanas – para conceder a seguinte entrevista ao BOLETIM. Confira os principais trechos.
A análise midiática é uma nova abordagem na literatura comparada?
O que estou sugerindo é uma nova dimensão na análise textual, comparável a vários outros enfoques, como gênero e etnia. Na minha abordagem, o foco é a mídia e as relações entre as mídias, nas quais encontro novas dimensões no texto, o que faz surgir outras perguntas. Meu alvo é o desenvolvimento de uma teoria da linguagem, e busco examinar textos específicos com meus alunos, com base em um modelo analítico de três passos.
Como a medialidade pode ser identificada em textos que parecem ser monomidiáticos? Um texto está sempre associado a outra ferramenta midiática?
Essa é minha premissa fundamental, mas não é algo novo. Nasceu com outros teóricos como William J. T. Mitchell [pesquisador da Universidade de Chicago que estuda a teoria da mídia e a cultura visual]. Mitchell afirmou que “todas as mídias estão misturadas”, e busco traduzir isso em um conceito que chamo de heteromidialidade, que significa basicamente que todos os textos estão mesclados desde sua criação. Em vez de pensar que primeiro temos a literatura e depois vêm as imagens e sons, eu digo que todos os textos literários e música são, originalmente, textos. Até podemos “fingir” que são monomidiáticos ou puros. Quando olhamos para uma folha escrita, não apenas palavras são traduzidas em nossas mentes, mas também uma organização gráfica do texto. O aspecto sonoro da língua também existe no texto, pois, ao lermos, deparamos com um som interno do que é lido. Minha tese é a de que todas as mídias estão misturadas, e meu trabalho busca demonstrar como isso ocorre.
Entre os estudiosos da comunicação, parece haver um entendimento de intermídia diferente daquele que vigora na literatura...
Na Suécia, já deixo meus alunos avisados de que ficarão confusos após as minhas aulas, mas é uma confusão positiva. Alguns reconhecem que, de fato, incorporam essa ideia quando abrem um livro, escutam música ou vão a uma mostra de arte.
Esse modo de pensar a literatura pode mudar a maneira como ela é escrita?
Isso já está acontecendo e pode servir de inspiração. Há muitas coisas ocorrendo na literatura, na fanfiction e na poesia eletrônica, mas isso não chega a ser novidade. Existem poemas gregos de mais de dois mil anos que carregam imagens, elementos visuais nas palavras, e isso também aconteceu na Renascença. É tentador imaginar que o fenômeno esteja circunscrito à contemporaneidade, mas essa história é bem mais longa.
Em que medida a intermidialidade pode favorecer a formação de novos escritores e de outras formas de literatura?
Não sou especialista em novas mídias, mas frequentemente ouvimos a afirmação de que a literatura está ameaçada, as pessoas não leem mais e os livros estão desaparecendo – até acredito que isso seja parcialmente correto. Por outro lado, as pessoas continuam escrevendo, valendo-se de novas plataformas, como o Twitter. Por isso, é possível imaginar que novas formas de literatura estejam se configurando por conta da evolução tecnológica.
O objetivo do método é demonstrar que, se as pessoas se concentram no registro e na ordenação das mídias de um texto, sua atenção é levada a contextos maiores, que vão além da mediação e da representação em si.
1º Passo: registro aberto e abrangente das representações de produtos de mídia, tipos e aspectos da medialidade. Esse registro deve levar em consideração o maior número possível de aspectos conectados direta e indiretamente a um dispositivo midiático.
2º Passo: organização do vasto – e muitas vezes incoerente – material coletado no passo anterior. Aqui se deve construir uma ordem preliminar, ou estrutura que proporcione sugestões de interpretação baseadas na lista de medialidades preparada na etapa anterior.
3º Passo: as estruturas do passo anterior podem, nesta etapa, ser relacionadas a um contexto biográfico ou psicológico do autor, ou remeter a uma compreensão estética e teórica ou a padrões e formações em áreas como arte e sociologia.