Lugar de ciclista é na rua
No Brasil, 19 de agosto é o Dia do Ciclista. Não se trata exatamente de uma comemoração, pois marca a morte de um ciclista, atropelado, em Brasília, por um motorista embriagado. Isso aconteceu há 20 anos e não será esquecido enquanto proporcionar uma oportunidade de refletir sobre a presença dos ciclistas no trânsito. Quem são? Quais regras devem seguir? Quais são seus direitos? Como podemos transformar a cidade em um local mais seguro para pedalar?
A cada dia, aumenta o número de pessoas que descobrem a bicicleta como meio de transporte. Quem começa a pedalar logo percebe que, em distâncias curtas, de até 10 quilômetros, esse pode ser o meio de transporte mais rápido. Muitos podem ser os motivos que levam à adoção da bicicleta como veículo diário. Além da economia de tempo, há a busca por uma forma de deslocamento saudável e prazerosa, a consciência ambiental e a economia financeira, entre outros aspectos.
Existem afirmações e perguntas que os ciclistas urbanos costumam ouvir rotineiramente: “É impossível andar de bicicleta no relevo de Belo Horizonte”, “Lugar de ciclista é no passeio” e “Não é perigoso andar de bicicleta nesse trânsito caótico?”. Algumas são fruto de desconhecimento, e outras demonstram aspectos de uma sociedade que associa desenvolvimento ao número de veículos automotores.
Em relação ao relevo, descobre-se que é possível utilizar rotas alternativas, diferentes das geralmente feitas em automóveis, que aumentam um pouco a distância total, mas permitem um percurso com subidas mais leves. É possível optar por bicicletas com um bom conjunto de marchas ou mesmo elétricas, com motores para auxiliar as pedaladas. Como o condicionamento físico melhora gradualmente, “os morros ficam mais planos” com o tempo, como dizem os ciclistas.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) regulamenta os direitos e deveres dos ciclistas. Ele contém diversos artigos sobre o tema. O artigo 29 define as prioridades no trânsito: “Os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.” O artigo 170 classifica como infração gravíssima dirigir ameaçando os pedestres ou os demais veículos, entre eles a bicicleta. O artigo 201, um dos mais importantes por tratar de tema crucial para os ciclistas, define como infração “deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinquenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta”. Além disso, o artigo 58 define que “nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores [grifo nosso]. Ou seja, lugar de ciclista é na rua, no mesmo sentido dos veículos.
Uma pergunta recorrente: “É perigoso andar de bicicleta no trânsito?”. A resposta é fácil: não. Com um pouco de prática, conhecimento de regras e técnicas simples, o ciclista está pronto para as ruas. Ciclistas, pedestres, condutores de veículos motorizados, todos fazem parte do trânsito, e o perigo só existe quando um deles não reconhece o direito do outro de usar a via pública e se nega a compartilhar o espaço, agindo como “o dono da rua”.
Por fim, transformar a cidade em um local mais seguro para pedalar requer uma mudança cultural, que não é rápida, mas é possível. A segurança do ciclista está muito relacionada a ser visto, o que extrapola o conceito de “estar visível”. Ser visto é ser reconhecido como parte do trânsito, ser assimilado como um elemento presente, normalmente, no lado direito da via; que tem sua velocidade, aceleração e sinalização próprias; que tem a preferência para seguir em frente quando outro veículo desejar fazer uma conversão à direita; que está na rua não para atrapalhar a vida de alguém, mas para se deslocar do ponto A para o ponto B.
O aumento da presença das bicicletas nas ruas, a atuação – ainda que insuficiente – do poder público, pressionado por grupos organizados de ciclistas, e o interesse crescente da imprensa sobre o tema auxiliam a mudança cultural em curso. Podemos afirmar, sem receio algum, que cada vez mais a bicicleta está integrada ao ambiente do trânsito – e esse é um caminho sem volta.
Precisamos reumanizar a cidade e resgatar valores de convívio social. No campus Pampulha, percebemos que os veículos, em geral, transitam em velocidades mais baixas, param nas faixas de travessia de pedestres e respeitam os ciclistas. Fica um questionamento: não seria possível levar esse comportamento para fora da Universidade? A UFMG está saturada de carros, mas, felizmente, a bicicleta vem se tornando uma alternativa. Muitos estudantes já viam nesse veículo uma boa solução de transporte. Agora, resta à Universidade fomentar e cultivar essa prática, para torná-la cada vez mais difundida.
É hora, portanto, de ver a bicicleta como meio de transporte, cujo usuário tem tanto direito ao uso do espaço urbano quanto qualquer condutor de outro veículo. E o principal: nunca esquecer que, em cima da bicicleta, vai uma vida, que deve ser respeitada. Esse é o segredo de um trânsito mais harmonioso e seguro.Guilherme Viana*
(Guilherme Viana - Analista de sistemas, ex-aluno de Ciência da Computação UFMG e voluntário do Bike Anjo BH)
(Moacyr Anício - Sociólogo, aluno da Escola de Engenharia e voluntário do Bike Anjo BH)