Rankings, universidade e cenário político
A UFMG, mais uma vez, é destaque nos rankings de desempenho de universidades, sendo os mais recentes o RUF, da Folha de São Paulo, e o Times Higher Education (THE), ambos na edição 2016-2017. O RUF, que avalia escolas nacionais e é publicado desde 2012, sempre classificou a UFMG nas primeiras posições. Já o THE, que lista as 980 melhores escolas no mundo, destaca a UFMG, desde a edição 2015-2016, nas melhores posições entre as universidades do país.
O resultado é celebrado em diversos veículos de comunicação e nas redes sociais. A qualidade do ensino é tida como excelente, o número de publicações, considerado louvável, e os programas de pós-graduação apresentam níveis equiparados aos de instituições internacionais. Fundamental destacar que o desempenho nesses rankings emana de uma universidade pública e gratuita, com recursos para assistência a estudantes em condições menos favorecidas. Importa ressaltar que, em qualquer um dos rankings, a excelência das universidades públicas é indiscutível. Para exemplificar, desde que o RUF é divulgado, as 10 primeiras universidades classificadas são públicas.
Não é proposta deste texto examinar os métodos ou mesmo a necessidade desses rankings. O objetivo aqui é questionar se o momento é de celebração ou reflexão. Na realidade em que se insere o ensino superior, vemos construções interrompidas em diversos campi pelo país (na UFMG, prestes a completar 90 anos, podemos citar como exemplos os anexos das escolas de Música e de Belas-Artes e o CAD 3); agências de financiamento à pesquisa publicando editais cujos resultados não são divulgados ou, quando são, os recursos tardam em ser liberados; docentes com capacidade reduzida para orientar novos estudantes e programas de pós-graduação sem recursos e sem bolsas. E ainda mobilização de servidores técnico-administrativos em educação em prol da valorização da educação pública.
Esse cenário nos remete à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que impõe novo regime fiscal ao Brasil, que congelará investimentos por 20 anos. Para aqueles que ainda não sabem o que é a PEC 241, seguem algumas considerações: com ela, o governo federal pretende utilizar o orçamento executado em 2016 para calcular o orçamento de 2017, adicionando apenas a inflação medida pelo IPCA. Assim, a cada ano, o valor gasto deve ser acrescido da inflação para calcular o orçamento do ano subsequente. Até 2036, sem ganhos reais.
Um estudo publicado recentemente pelo Dieese avaliou esse modelo nefasto por meio de um cálculo retroativo. Com base no investimento realizado em saúde e educação, calculou-se, ano a ano, qual seria o resultado se a PEC 241 estivesse em vigor desde 2002. E ele é assustador! O valor retirado da educação seria de R$ 377,7 bilhões. Essa é a diferença entre o que foi aplicado de fato e o estimado via mecanismo proposto na PEC 241. Se considerarmos o mesmo cálculo para a saúde, essas duas áreas – sensíveis ao bem-estar de qualquer sociedade – teriam perdido mais de R$ 637 bilhões.
A essa perda de receitas para o funcionamento das melhores universidades do país, adiciona-se o ataque que o ensino público, gratuito e de qualidade tem sofrido de diversos veículos de comunicação. Editorial de um jornal de circulação nacional defendeu a extinção do “injusto ensino superior gratuito” no Brasil. Em consonância, um “estudo” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quer nos fazer crer que professor universitário do sistema federal ganha muito bem para desempenhar suas tarefas. Salário comparável aos ofertados em países como Noruega e Suécia. Como se isso isso não bastasse, o secretário de Regulação e Supervisão de Ensino Superior do MEC, Maurício Romão, afirmou, em entrevista a um jornal de Pernambuco, que “o modelo das universidades federais está meio esgotado.”
Diante de tamanhos disparates, cabe a pergunta: qual o significado dessas medidas impostas à comunidade universitária? Significa que, em nome da “responsabilidade fiscal”, querem desmontar o sistema federal de ensino superior. Dada a importância do que é feito nas universidades federais, nos centros federais de educação tecnológica e nos institutos federais, como uma nação pode ser considerada desenvolvida sem educação de qualidade? Sem associação entre educação, ciência e inovação tecnológica? Como podemos evoluir sem esses avanços? A quem interessa esse sucateamento programado? Qual parcela da sociedade será mais atingida pelos cortes?
Para não dizer que somente apresentamos problemas (que, deixemos claro, são reais), olhemos com atenção os estudos dos pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que afirmaram, em 2015, que somente com tributação (em 15%) de lucros e dividendos de acionistas de empresas, poder-se-ia gerar receita de mais de R$ 43 bilhões ao ano! Isso significa aumentar alíquotas de impostos? Não, não se trata de aumento de alíquotas porque simplesmente o Brasil não tributa lucros e dividendos de donos e acionistas de empresas. Zero tributação desde 1995 (Lei 9.249/1995). Essa ausência de tributação é comum em países desenvolvidos? Não, de forma alguma, pois entre os 34 países membros da OCDE, somente a Estônia tem política similar à do Brasil.
Podemos também citar as taxas de juros que só existem em nosso país. Parte da justificativa de se propor um novo sistema fiscal para o país é a necessidade de satisfazer o “rentismo” que assola nossas plagas. Vale lembrar que não há uma mísera linha na PEC 241 sobre limite para pagamentos de juros nesses 20 anos de engessamento suicida agora proposto. O engessamento é para garantir o pagamento régio aos “investidores”.
Nesse contexto, que respostas a universidade pode elaborar? Se queremos continuar a ser uma grande instituição, seja qual for o ranking ou o governo, precisamos de mais coesão para construir uma reação aos tempos complexos que se encenam.
Helton J. Reis e Fabrício A. Moreira, servidores docentes lotados no Departamento de Farmacologia do ICB