A comunicação organizacional em debate
Nas últimas décadas, os estudos da área de comunicação organizacional têm-se intensificado em virtude da redefinição – tanto teórica quanto prática – do campo que passou a adotar uma abordagem mais complexa, que estimulou reflexões sobre as práticas de comunicação nas e das organizações. Para compreender essa perspectiva, esses estudos buscam considerar os sujeitos individuais e coletivos em interação e investir nos processos de circulação, construção e desconstrução de sentidos que ocorrem em razão do tensionamento de interesses distintos e, por vezes, contraditórios. Percebemos, nessa perspectiva crítica, o fortalecimento e o aprofundamento das discussões epistemológicas desse campo, fundamentado em uma prática discursiva que reúne objetos, tipos de formulação, conceitos e escolhas teóricas em constante relação de forças e, portanto, de poder.
Tendo em vista esse breve quadro de questões e perspectivas, é possível identificar que a problematização das dimensões discursivas e epistemológicas da comunicação organizacional é central para o atual delineamento das investigações acadêmicas e atuações práticas nas empresas e em seus públicos. Entre elas destacamos: a) as atuais condições de trabalho no contexto das organizações; b) as preocupações epistemológicas que hoje fundamentam a reflexão sobre a comunicação organizacional; c) o poder, as tensões hegemônicas e o sujeito no contexto organizacional.
O desejo de aprofundar e dar visibilidade às investigações tem mobilizado os grupos de pesquisa que se dedicam ao tema na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A interlocução acadêmica de pesquisadores do Departamento de Comunicação Social que integram o Grupo de Pesquisa sobre Interações em Práticas e Processos Institucionais (Gripp-UFMG) com pesquisadores do Departamento de Comunicação da PUC Minas, articulados no Grupo de Pesquisa Comunicação no Contexto Organizacional: Aspectos Teórico-conceituais, consolidou-se nos anos de 2013 e 2014, com a promoção de encontros periódicos de discussão e de eventos, como o Seminário Internacional de Comunicação Organizacional (Sico), atualmente em sua terceira edição.
Na visão dos pesquisadores desses grupos, que concebem as organizações como sistemas vivos e estruturados cognitivamente, é preciso ficar atento ao tensionamento discursivo de legitimação das práticas e à alteração de enunciados que, não raro, encobrem discursos inalterados. São as estratégias autorizadas, as gramáticas e códigos ocultos que possibilitam uma blindagem dos discursos – quase que inquestionáveis – que envelopam o “aparecer” e o “parecer” das organizações. Segundo eles, se compreendemos as organizações como sistemas vivos, em constante mudança e recomposição, enfim, como processo em devir, é preciso, pois, atentar para as formas de identidade e pertencimento que compõem o território simbólico e sua dinâmica de sentidos. Nesse aspecto, as preocupações metodológicas costumam ser mais complicadas, pois, para termos acesso às identidades e vínculos de pertencimento, é crucial escutar os discursos, testemunhos e narrativas, procurando trabalhar sobre as representações aí presentes, de modo a perceber como grupos constroem o real e a ele atribuem significação. Esse é, certamente, um terreno instável e com inúmeras dificuldades de acesso e exploração.
Uma das principais preocupações de pesquisa na área relaciona-se ao fato de que a comunicação organizacional não é das organizações, mas se constitui com base em cenários em que narrativas e textos plurais e multifacetados se entrecruzam de modo argumentativo e dramatúrgico, configurando sentidos, subjetividades e regimes de confrontação e desentendimento responsáveis pela politização das organizações e de suas interações com diferentes públicos.
Nesse sentido, o professor Márcio Simeone (UFMG) avalia a necessidade de uma reconfiguração de práticas discursivas no contexto das organizações em três âmbitos:
a) investimento em práticas de cooperação entre os colaboradores, estabelecendo uma distinção entre cooperação e competição, já que a cooperação, segundo ele, não ocorre em condições de submissão e não pode ser confundida com obediência diante de forças de autoridade e controle; b) criação de oportunidades de diálogo, sobretudo na formulação de projetos coletivos em diferentes plataformas, sem esquecer, por exemplo, que as arquiteturas das redes digitais também podem gerar constrangimentos para a conversação, sobretudo no que se refere, entre outros aspectos, à reflexividade, reciprocidade e abertura ao outro. É importante, porém, reconhecer a presença de táticas que se infiltram nas práticas colaborativas e dialógicas em ambientes digitais para gerar ligações alternativas e promover resistências; c) ampliação do olhar sobre os públicos que se formam nos contextos organizacionais e seus processos de formação e movimentação.
Esperamos, com a realização da terceira edição do Sico, desencadear reflexões que consideramos imprescindíveis para a consolidação do campo da comunicação organizacional e para a abordagem crítica das interações comunicativas que se desenham em contextos marcados pela busca cooperativa de produção de sentido e, ao mesmo tempo, atravessados por assimetrias simbólicas, discursivas e culturais entre os sujeitos.
*Ângela Marques
**Ivone Lourdes de Oliveira
*Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
**Professora da PUC Minas