Insuficientes para proteger
Pesquisa revela as limitações das unidades de conservação como instrumentos de preservação da biodiversidade brasileira
Cerca de 70% das Unidades de Conservação (UCs) brasileiras ainda são pouco conhecidas e estudadas em relação à biodiversidade que abrigam, e mais da metade das espécies estão fora desses ambientes, incluindo as endêmicas, que são aquelas com distribuição restrita a determinadas áreas.
Essa é a conclusão central de estudo desenvolvido por 17 pesquisadores do Brasil e do exterior sobre as UCs, regulamentadas como áreas naturais de preservação e reserva do patrimônio biológico do país. Os resultados do trabalho constam do artigo Biodiversity conservation gaps in the Brazilian protected areas, publicado na revista Nature no mês passado. Seis pesquisadores da UFMG – Britaldo Silveira Soares-Filho, Ubirajara Oliveira, Adalberto Santos, João Renato Stehmann, João Aguiar Nogueira Batista e Adriano Pereira Paglia – integram a equipe que investigou a proteção oferecida pelas unidades de conservação à biodiversidade e o grau de conhecimento sobre a variedade de espécies que habitam as UCs.
A pesquisa foi desenvolvida com base em modelo que prevê a distribuição das espécies dentro das unidades de conservação. Três tipos de UCs foram observadas: as unidades de proteção integral, aquelas destinadas à proteção de recursos naturais e que são mais restritas à exploração, as de uso sustentável, áreas que abarcam as populações tradicionais que fazem uso sustentável da terra, e as terras indígenas, que são exploradas e conservadas por esses povos, barrando o avanço de caçadores e ruralistas.
Mais UCs
Segundo o pesquisador Ubirajara Oliveira, residente de pós-doutorado no Departamento de Modelagem Ambiental do IGC e um dos autores do artigo, os dados mostram que ainda se sabe muito pouco sobre a biodiversidade das unidades de conservação brasileiras. “É necessária a criação de mais UCs para a adequada proteção das espécies da flora e fauna do país, e precisamos de mais estudos sobre a biodiversidade nas unidades de conservação”, resume.
Ubirajara destaca que o Brasil é dono de uma das maiores biodiversidades da Terra, o que também indica a necessidade de se estudar novos modos de conservação da variedade animal e vegetal. “Observamos que nossa rede de unidades de conservação não protege totalmente as espécies vegetais e animais, como aves, anfíbios, mamíferos e insetos. E constatamos também que espécies endêmicas precisam de atenção especial porque são mais sensíveis às mudanças ambientais. A sobrevivência delas está restrita a uma área específica, então deveriam estar 100% dentro de UCs”, defende.
Os pesquisadores se valeram do maior banco de dados do país, com quase 1 milhão de registros de 25 mil espécies animais e vegetais, todas elas consideradas no estudo. Para a previsão das árvores filogenéticas das espécies, o grupo cruzou a sua formação evolutiva com o mapa geográfico das UCs. Assim, foi possível observar quais espécies estavam dentro das unidades de conservação.
“Também realizamos cálculos que ajudaram a identificar se cada espécie analisada era endêmica ou não. Todas precisam de determinadas condições ambientais para viver, e os modelos, por meio de mapas, identificam as condições necessárias para a sobrevivência de uma espécie, ou seja, até onde ela vai geograficamente. Esse entendimento é importante para que possamos determinar as regiões geográficas em que as UCs deveriam ser criadas”, explica Ubirajara.
Conhecimento desequilibrado
Segundo o pós-doutorando, ainda é pequeno o conhecimento sobre as espécies que habitam determinadas unidades de conservação no país. Isso se deve ao fato de que os estudos são restritos às UCs mais antigas e àquelas localizadas na região Sudeste do Brasil, pois estão mais próximas dos centros de pesquisa. “Expedições que investiguem UCs da caatinga e da Amazônia são muito mais caras, e isso faz com que se saiba muito sobre as UCs da Mata Atlântica e pouco sobre as outras. Precisamos desenvolver esforços nas unidades de conservação distantes dos grandes centros , pois só assim será possível elaborar planos de manejo para elas”, propõe.
O estudo publicado na revista Nature é, de acordo com Ubirajara Oliveira, a maior compilação já feita sobre a biodiversidade existente nas UCs brasileiras. O próximo passo do grupo é estudar as áreas de relevância biológica e o modo como o uso da terra e o desmatamento influenciam a variedade animal e vegetal. A equipe pretende compreender o processo de evolução das espécies, de modo a prever como reagirão às mudanças climáticas no futuro.
Artigo: Biodiversity conservation gaps in the Brazilian protected areas
Autores: Ubirajara Oliveira, Britaldo Silveira Soares-Filho, Adriano Pereira Paglia, Antonio D. Brescovit, Claudio J. B. de Carvalho, Daniel Paiva Silva, Daniella T. Rezende, Felipe Sá Fortes Leite, João Aguiar Nogueira Batista, João Paulo Peixoto Pena Barbosa, João Renato Stehmann, John S. Ascher, Marcelo Ferreira de Vasconcelos, Paulo De Marco, Peter Löwenberg-Neto, Viviane Gianluppi Ferro e Adalberto Santos.
Publicado na revista Nature em 22 de agosto e disponível em https://www.nature.com/article...