Sisu: escolhas e não ocupação
A lista de aprovados na primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi divulgada em 29 de janeiro, e os aprovados já estão em vias de realizar a matrícula. O Sisu se propõe a facilitar a inserção no ensino superior ao condensar numa mesma plataforma as informações sobre oferta de vagas e demanda dos candidatos, mas isso não torna o processo de escolha mais simples, pelo contrário. Diferentemente do vestibular tradicional, no Sisu o candidato escolhe o curso e a instituição já ciente das suas notas, o que diminui a incerteza quanto às suas possibilidades de ingresso. Este panorama gerou mudanças significativas no modo como as escolhas são construídas.
Há poucos estudos dedicados a debater a indução promovida pelo Sisu, e acreditamos ser impossível ignorar dois aspectos: a pressão sofrida pelos estudantes durante o processo seletivo e a forma como o sistema apresenta, ou não, as possibilidades de êxito, de acordo com as notas dos demais concorrentes.
Durante o processo seletivo, que, usualmente, tem duração de quatro dias, o estudante passa por momentos de grande apreensão. Ele é levado a jogar com o sistema. Existem situações nas quais, em razão de uma nota menor que a esperada no Enem ou de uma nota de corte maior que a do ano anterior, o estudante se vê, já no momento de selecionar o curso e a instituição, na iminência de reconsiderar suas escolhas ou aguardar mais um ano para realizar a próxima edição do Enem. A observação dessas situações evidencia que, no calor do
momento, muitos estudantes fazem a “escolha” pelo curso que seja compatível com sua nota e não com seu desejo inicial.
Ao acompanhar estudantes que buscaram se inserir em uma universidade nesses últimos anos, observamos várias modificações em relação à opção de curso e instituição, em função do recorte da nota. Alguns casos foram emblemáticos. Por exemplo, se antes o desejo era Medicina Veterinária na UFMG, após o conhecimento
da nota do Enem e simulações via Sisu, a escolha final foi Educação Física na Uemg. Da mesma forma, houve migração de Medicina para Enfermagem e de Administração para Pedagogia. Visto que a possibilidade de manipular o sistema e reorientar as escolhas não elimina a competitividade, a maioria não se inseriu em curso algum. São muitos candidatos e poucas vagas. Como em qualquer jogo, poucos são os ganhadores, e, no caso do Sisu, nem sempre quem ganha recebe o prêmio desejado.
Passada a agitação do período de escolha no sistema, o estudante aprovado no Sisu tende a refletir sobre suas preferências. Caso o curso de aprovação não seja aquele preferido, a situação torna-se delicada. O papel da família, nesse momento, é fundamental no sentido de avaliar os custos, riscos e benefícios de escolhas, de certa
forma induzidas pelo Sisu, sistema que promete, entre outras coisas, a otimização do preenchimento das vagas.
A partir daí, temos um primeiro perfil de estudante desistente, aquele que, ao reavaliar a graduação para a qual foi aprovado, antes mesmo da matrícula, desiste de cursá-la. Nesses casos, ele pode prestar outros concursos em instituições públicas e privadas. Nas instituições privadas, há, ainda, para os estudantes de baixa renda, a possibilidade de iniciar um “novo jogo”, em plataforma similar ao Sisu, pleiteando bolsas de estudos em faculdades particulares, por meio do Prouni.
Um segundo perfil de “desistente” é o do estudante que, mesmo já estando no ensino superior, realiza o Enem, em busca de melhores oportunidades. É comum haver estudantes oriundos de faculdades particulares que buscam a mudança para instituições públicas e aqueles matriculados em instituições públicas que desejam mudar de curso e/ou instituição. Entre esses estudantes, temos observado que, ao avaliarem que o objetivo não será alcançado, com o intuito simplesmente de “jogar”, realizam inscrições em cursos nos quais têm condição de aprovação, mas não têm a menor intenção de se matricularem.
Uma terceira situação é aquela em que estudantes já aprovados na primeira edição anual do Sisu se inscrevem novamente para a segunda edição, mesmo sem o objetivo de ingressar em outro curso. Nesse caso, o objetivo é “brincar com o sistema” e mostrar que é possível passar em outra graduação ou instituição. Como não há
qualquer sanção, esses candidatos se inserem novamente no processo sem ponderar as consequências para os demais candidatos.
Aqueles que optam por uma modalidade de cotas, mesmo sem atender aos critérios legais, podem ser enquadrados na terceira hipótese entre os casos de não efetivação da matrícula. Nessa situação, o próprio candidato pode não fazer a matrícula, ou, ainda, a documentação pode não ser validada pela universidade, devido a problemas quanto aos critérios.
Além desses casos, há também todos aqueles que haviam ingressado para a segunda opção e que aguardavam na lista de espera para o curso indicado na primeira opção. Uma vez que o estudante é convocado para o curso que aguardava, libera-se uma nova vaga. Sob essa lógica, a migração de um curso para outro dentro e entre instituições tornou-se algo muito mais comum, ou seja, a lista de espera tem implicações diretas no fluxo e na relação entre as instituições de ensino superior, assim como entre os diferentes cursos dentro de uma mesma universidade.
Essas desistências deixam “cadeiras vazias”, as quais, quando não ocupadas em tempo hábil, juntam-se a outras criadas pela evasão e “engrossam o caldo” das vagas remanescentes na rede federal (em 2016, segundo o MEC, foram mais de 84 mil vagas, ou 26,5% do total). Tudo isso parece indicar um grande desencontro entre oferta, demanda e interesse dos estudantes. Algo precisa ser feito sobre isso.
Bréscia Nonato, doutoranda em Educação na UFMG, professora da educação básica e pesquisadora do Observatório da Juventude da UFMG e do Observatório Sociológico Família Escola
Thainara Castro, mestranda em Educação na UFMG, professora da educação básica e pesquisadora do Observatório Sociológico Família Escola