Diversidade em risco
Em artigo, grupo do ICB sustenta que campos rupestres devem ser preservados em harmonia com mineração, estradas e ações de restauração
Mesmo após décadas de estudo, a taxa de descoberta de novas espécies nos campos rupestres, ecossistema presente em Minas Gerais e na Bahia, ainda é muito alta. De 2005 a 2014, por exemplo, 12 plantas e quatro espécies de animais foram descritas por ano, em média. Em uma década, foram 118 novas plantas de 27 famílias e 26 espécies de vertebrados, incluindo sapos, lagartos, pássaros e um mamífero.
Esses são apenas alguns dados reveladores sobre a riqueza desse ecossistema, que está seriamente ameaçado. Cálculos apoiados em múltiplas variáveis, entre as quais se enquadram as mudanças climáticas, estimam que, em 30 anos, os campos rupestres terão perdido 60,5 mil quilômetros quadrados, ou 73% de sua cobertura, e que, até 2070, essa perda deverá atingir 82%. A perspectiva é de prejuízo significativo para cerca de 50 milhões de pessoas que dependem dos serviços ambientais desse sistema.
“A destruição do ambiente está relacionada à falta de cuidados que amenizem os efeitos da exploração de minérios e da construção de estradas e à ausência de entendimento sobre as formas adequadas de restauração das áreas atingidas”, afirma o professor Geraldo Wilson Fernandes, coordenador do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade (Leeb), do ICB. Alguns de seus pesquisadores, em conjunto com cientistas de outras instituições, publicaram recentemente, na revista Biodiversity and Conservation, artigo sobre as ameaças aos campos rupestres.
Geraldo Wilson Fernandes lembra que o governo de Minas tem projetos para construir milhares de quilômetros de vias que passam por cima de rios, nascentes e implicam a extração de materiais para o leito das estradas. Segundo ele, o calcário usado na base do asfalto se liga ao alumínio, comum naqueles solos. Essa combinação inativa a toxidez, ou seja, torna mais atrativo o solo, que é rapidamente invadido por espécies exóticas, como capim meloso, braquiária e leucenas.
“Essas espécies se reproduzem e vão eliminando as espécies nativas, reduzindo a biodiversidade e tornando o ambiente propício à seca e ao fogo”, explica Fernandes. “Ao mesmo tempo que o solo ‘melhora’, com o espalhamento do calcário pelo vento e pela água, fica tóxico para as plantas nativas, que viveram milhares de anos com escassez de nutrientes.”
IPCC
De acordo com Geraldo Wilson Fernandes, os estudos que suportam o artigo utilizam modelos previstos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). Ele lembra que as variações de temperatura nos campos rupestres são muito grandes – de 3º a 75º (na rocha). “Com o aquecimento global, a tendência é que a fauna e a flora de altitudes mais baixas subam, mas as espécies de ambientes mais altos e frios não terão para onde fugir.”
Os pesquisadores recomendam que a população seja mais informada sobre as ligações dos campos rupestres com a história de Minas Gerais e sobre sua importância para o fornecimento de água e alimentos. “É urgente estabelecer um pacto pelo uso sustentável dos recursos, com formas mais racionais de minerar e transportar o minério e com a restauração com espécies nativas. A criação de leis específicas e o treinamento dos órgãos de fiscalização para lidar com esse ambiente especial também são medidas fundamentais”, completa Fernandes, anunciando que foi iniciado movimento com mineradoras e a sociedade visando à sustentabilidade dos campos rupestres.
Floresta de cabeça para baixo
Os campos rupestres, ecossistema do Cerrado, são caracterizados por terrenos inférteis originados de solos ricos em quartzo, manganês, bauxita e ferro. Cresce ali uma flora “espetacular e única”, segundo o professor Geraldo Wilson Fernandes. O ecossistema abriga mais de seis mil espécies de plantas, cerca de metade das espécies do Cerrado – em 0,8% da vegetação, está metade da diversidade.
A Serra do Espinhaço, sede da maior parte dos campos rupestres, estende-se, em Minas Gerais, de Ouro Branco a Olhos D’água e atinge também a Chapada Diamantina, na Bahia. São cerca de 1.200 quilômetros de comprimento e entre 50 e 200 metros de largura, dependendo do trecho. A flora dos campos rupestres é muito bem adaptada à sobrevida subterrânea – uma “floresta de cabeça para baixo”, segundo Fernandes – e contém enorme variedade de plantas carnívoras, que capturam insetos para compensar a falta de nutrientes do solo. O ecossistema tem curiosidades como uma planta com folhas subterrâneas que se alimenta de vermes causadores de doenças e um quarto da diversidade global dos fungos responsáveis pelas micorrizas, interações com plantas que ampliam suas raízes para capturar o nutriente escasso.
Artigo: The deadly route to collapse and the uncertain fate of Brazilian rupestrian grasslands
Autores: G. Wilson Fernandes, N.P.U. Barbosa, B. Alberton, A. Barbieri, R. Dirzo, F. Goulart, T. J. Guerra, L. P. C. Morellato, R. R. C. Solar
Publicação: Biodiversity and Conservation