Corrupção, ética e serviço público
A finalidade da existência humana é alcançar a paz social. Se não for, de que adianta a luta pelo aprimoramento das relações sociais? Esse aperfeiçoamento, logicamente, brota da consciência do próprio homem que busca a sua evolução até hoje. Sozinho, o homem não sobreviveria, e a possibilidade da convivência, da vida em sociedade, tornou necessária a criação de normas, de leis, enfim, de parâmetros de comportamento capazes de fazer a humanidade evoluir e seguir em sua caminhada.
Na Antiguidade, surgiu o conceito do que seria a moral e a ética. A moral vem a ser a ciência dos costumes, e esses diferem de lugar para lugar. A moral é mutável e varia conforme o modo de desenvolvimento de cada sistema social. O que era moral no passado pode não ser hoje. O que é moral aqui pode não ser alhures, e vice-versa. A ética, palavra de origem grega, representa o conjunto de costumes e valores perenes no tempo e uniformes no espaço. Nunca se pronunciou tanto a palavra ética! Daí a ética médica, a bioética e a ética no serviço público.
A ética no serviço público é tema que reputo como dos mais relevantes na Administração Pública, pois só o exercício ético dos cargos e funções públicos contribuirá para que se alcance uma sociedade melhor. Entre nós, a insatisfação com o comportamento dos agentes públicos é generalizada. Nunca a conduta do servidor público foi tão criticada pela sociedade brasileira. Sobre o crime ambiental que resultou no rompimento da barragem em Brumadinho (MG), sob a responsabilidade da Vale, terceira maior empresa do país, a jornalista Ana Dubeux, em artigo no Correio Braziliense, de 27/1/2019, destaca a falta de ética na relação com o público como um dos motivos causadores do desastre indecoroso:
“Para alguém aprender, é preciso ensinar. O Brasil não aprende porque poucos estão dispostos a educar. Educação exige limite, disciplina, lei, autoridade, seriedade, desprendimento de si próprio para focar no bem comum. Enquanto um cargo público, sobretudo o eletivo, for visto como uma mina de dinheiro e um balcão de negócios, não haverá aprendizado”
De alguma maneira, as mazelas do Brasil atual estão sintetizadas no desastre de Brumadinho: a impunidade, a falta de cuidado com o outro, a ganância predadora, a incapacidade de aprender com os erros, a ignorância, a deseducação, a destruição das redes institucionais de proteção aos cidadãos, a cegueira ambiental, o culto alienado dos números em detrimento do interesse público.
A tragédia da lama brasileira nos convida a uma dura reflexão e revisão de valores. O mestre Tom Zé, na canção Manon (2014), destaca e critica as raízes históricas da corrupção e seus impactos negativos no comportamento da sociedade, seja aqui, seja no restante do mundo: “(Discurso do Papa, 16 de maio de 2013, Sala Clementina, Palácio Apostólico do Vaticano)/Senhores embaixadores,/A humanidade vive agora/Um retrocesso da História./Dig di didi dinhê/Dig di didi dinhê/Dig di didi dinhê/Dig di Didi dinheiro vem tiranizar/Dinheiro quer comandar/Dinheiro quer como está/O antigo bezerro de ouro – de ouro/É novamente adorado – dourado/O homem só bem de consumo – consumo,/Usado, fica descartado,/Surrado, surrupiado,/Surrado, surrupiado./Dinheiro quer ditadurar”.
Não se pode perder de vista que o objetivo maior do serviço público é o bem comum. Mais do que a legalidade, a justiça e a correção, o grande elemento norteador da Administração Pública, em todos os níveis, é a honestidade. Ela constitui, pois, a grande virtude do agente público em todos os níveis e do agente político. Para organizar os princípios éticos, o Poder Executivo Federal editou o Decreto 1.171, de 22 de junho de 1994, que aprovou o Código de Ética Profissional do Servidor Público. Esse dispositivo vale para trabalhadores federais, e os estados e municípios escreveram seus próprios códigos baseados nessa lei maior. Assim, ela pode ser utilizada para compreender a atuação dos servidores dos variados níveis.
No primeiro artigo da lei, são expressos os valores que devem reger o funcionalismo público no país: dignidade, decoro, zelo, eficácia, consciência dos princípios morais e preservação da honra e tradição dos serviços públicos. Logo depois, no segundo artigo, fica claro que: “O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput e § 4°, da Constituição Federal”.
Reza a citada passagem da Constituição Cidadã de 1988: “Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
A moralidade administrativa está vinculada à supremacia do interesse público sobre o privado. A corrupção é sua negação, já que se baseia na indistinção do público e do privado. Somente o interesse público legitima o comportamento da Administração Pública. E apenas a conduta administrativa legítima tem sede no Direito do Estado Democrático.