O mito da posição 100 nos rankings e o custo do mito
Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo publicou entrevista com Cláudio Haddad, fundador e presidente do conselho deliberativo do Insper. Na entrevista, Haddad apresenta diagnósticos do que considera ser os problemas da educação no país. Extraio a seguinte fala: “Quanto à governança, elas [as universidades públicas] recebem dinheiro sem contrapartidas e sem cobrança. O orçamento das universidades federais aumentou muito. E o que isso gerou em termos de melhor qualidade? Não sei. Acho que continuamos sem nenhuma universidade de peso no Brasil entre as cem melhores do mundo. Mesmo comparadas a outras da América Latina, acho que estamos para trás.”
Haddad, obviamente, não indica quais dados em que baseia sua opinião de que os investimentos realizados na década passada deveriam ter levado as universidades públicas brasileiras a posições entre as 100 primeiras dos rankings mundiais.
Faço uma tentativa de contribuir para esse debate examinando dados divulgados em 2014 pelo ARWU (Academic Ranking of Global Universities), que reproduzo na tabela a seguir:
Antes de mais nada, é importante dizer que universidades não são necessariamente coisas comparáveis entre si. Comparar o custo por aluno de universidades paradigmáticas, como Harvard ou Oxford, com uma boa universidade argentina ou portuguesa faz muito pouco sentido, uma vez que o que essas universidades fazem é muito diferente, e é simplesmente óbvio esperar que as instituições do primeiro grupo custem muito mais que as do segundo.
Os dados do ARWU são interessantes porque nos permitem estabelecer comparações entre instituições em alguma medida “comparáveis”. Assim, é claro que Harvard e Oxford se encontram no grupo das 100 primeiras universidades, no qual não figura nenhuma universidade argentina, portuguesa ou brasileira. Dentro de um grupo de universidades situado em uma mesma faixa de rankings, embora ainda estejamos lidando com entidades bastante diferentes em muitos sentidos, há uma componente comparável: a atividade de pesquisa nessas universidades será similar, medida tanto em quantidade de artigos acadêmicos por docente quanto pelo impacto dessas publicações. Embora as universidades estejam organizadas de formas diferentes, mantenham cursos diferentes, estejam sujeitas a regulamentações diferentes, uma similaridade nos indicadores relacionados à pesquisa sugerirá uma similaridade nas capacidades dessas universidades em gerar e transmitir conhecimento.
"Comparar o custo por aluno de universidades paradigmáticas, como Harvard ou Oxford, com uma boa universidade argentina ou portuguesa faz muito pouco sentido".
A questão levantada por Cláudio Haddad pode ser examinada à luz desses dados, da seguinte forma: o ranking ARWU inclui, entre as universidades avaliadas, oito brasileiras. Se quisermos comparar o custo de uma dessas universidades com o custo médio de universidades semelhantes ao redor do mundo, temos de levantar o custo por aluno dessa universidade e compará-lo com o valor mostrado na tabela citada.
Façamos esse exercício para a UFMG. Em 2013, ela se encontrava ranqueada na faixa 301-400. Pelos dados do ARWU, a UFMG recebeu, em 2013, 22 mil dólares (aluno/ano), contando com 38.821 estudantes e um orçamento anual de 848 milhões de dólares. Deve-se, entretanto, destacar uma peculiaridade das universidades públicas brasileiras que causa uma distorção significativa: a conta do pagamento dos professores e servidores aposentados está incluída como se fosse parte do “orçamento” da UFMG. Se descontarmos o valor pago aos aposentados, o total enviado pelo governo à UFMG em 2013 teria sido de 488 milhões de dólares e encontraríamos cerca de 12 mil dólares por estudante.
Esses são os dados disponíveis. Eles parecem sugerir conclusões interessantes:
1) A média do orçamento por aluno, para as universidades que se encontram nas posições 301-400 do ranking, foi de 36 mil dólares (aluno/ano). Fazendo a conta com o recurso efetivamente recebido pela UFMG, de 12.584 dólares por aluno, a UFMG contou, em 2013, com um valor que corresponde a 35% do orçamento disponível para universidades estrangeiras de nível equivalente.
2) Fazendo a comparação com as 100 primeiras colocadas: o custo da UFMG por aluno é pouco superior a 10% do custo das universidades desse grupo.
3) Outra comparação deve ser feita com as universidades que ocupam as últimas posições do ranking da ARWU. As universidades estrangeiras que se encontram na faixa 501-700 (bem abaixo da UFMG) tiveram dotação orçamentária média anual de 20 mil dólares por aluno, ou seja, quase o dobro da dotação da UFMG.
Assim, diferentemente do que pensa Cláudio Haddad, o dispêndio financeiro do Brasil em uma universidade como a UFMG foi baixíssimo, comparado ao retorno obtido, no caso a sua posição no ranking.
Termino falando sobre a necessidade de estabelecer um debate qualificado sobre os temas importantes da agenda nacional. O doutor em economia Cláudio Haddad certamente sabe que, sem dados, indicadores e modelos, uma opinião não passa de um mero palpite que pode até encontrar ressonância no senso comum, mas terá pouco a contribuir para a abertura de novos caminhos.