Nova arma contra a giárdia
Investigação feita no ICB mostra que probiótico reduz em 80% a carga parasitária em animais
Já comercializado por indústrias farmacêuticas como auxiliar no tratamento de diarreias e na restauração da microbiota intestinal, o probiótico Saccharomyces boulardii apresenta potencial terapêutico contra giardíase, causada pelo protozoário Giardia lamblia. Em pesquisa de doutorado, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), a nutricionista Mayana Rodrigues investiga o mecanismo de ação do probiótico, que possibilitou a redução de aproximadamente 80% da carga parasitária em modelos animais.
“Constatamos benefícios e, por enquanto, não encontramos nenhum efeito adverso, diferentemente do que ocorre com o metronidazol, droga mais utilizada em todo o mundo no tratamento da giardíase e que acarreta diversos efeitos colaterais, que resultam no abandono do tratamento pelo paciente”, explica a pesquisadora. Orientada pelas professoras Maria Aparecida Gomes e Dirce Ribeiro de Oliveira, Mayana Rodrigues também observou que o probiótico reduz o estresse oxidativo no fígado, ao estimular a produção de enzimas que combatem os chamados radicais livres.
Levedura não patogênica descoberta em 1923, a Saccharomyces boulardii é classificada como probiótico, categoria de microrganismos que alcança o intestino de forma ativa e exerce efeitos positivos para a saúde do hospedeiro. “Uma vantagem dos probióticos é que, em geral, não colonizam, ou seja, se houver efeitos adversos – raramente relatados –, eles cessam com a interrupção do uso”, explica.
A pesquisadora comenta que o Saccharomyces boulardii é correntemente indicado em associação com o antibiótico, em casos de diarreia em crianças e nos tratamentos das bactérias Helicobacter pylori e Clostridium difficile. “Apesar de não parecer novidade, a pesquisa dessa levedura é interessante porque ela já é comercializada, o que significa que é segura para uso clínico em humanos. Por isso, decidimos testar sua aplicação como elemento preventivo”, esclarece.
Modelos
Na pesquisa de doutorado de Mayana Rodrigues, em andamento no Programa de Pós-graduação em Parasitologia, a giardíase experimental foi induzida em modelos animais, e os resultados foram observados em oito grupos de gerbil (Meriones unguiculatus), roedor conhecido como esquilo da Mongólia, cujo trato intestinal se assemelha mais ao de humanos, em comparação com os camundongos. Para estudar a capacidade preventiva do probiótico, a pesquisadora administrou a levedura aos animais por algumas semanas antes de induzir a infecção. Constatou-se que eles tiveram redução de 80% na carga parasitária em relação aos que não receberam nenhum tratamento preventivo.
A pesquisa mostrou também que, além do uso preventivo, é possível empregar o probiótico como tratamento em animais infectados.
Com base nesses resultados, é possível deduzir que o probiótico pode ser usado por pessoas que viajarão para locais em que o tratamento da água e a higiene dos alimentos sejam comprometidos ou em que a giardíase seja prevalente. “Seria uma possibilidade terapêutica de prevenção à diarreia do viajante, que pode ter várias causas”, afirma Mayana Rodrigues.
A pesquisa mostrou também que, além do uso preventivo, é possível empregar o probiótico como tratamento em animais infectados. A levedura aumenta o muco intestinal, que parece funcionar como uma barreira, dificultando a adesão do parasito às células intestinais. Até o momento, o trabalho não elucidou se o probiótico exerce alguma ação direta sobre a Giardia lamblia. “Ainda não sabemos se esse resultado expressivo está relacionado só com o muco e com a redução do estrese oxidativo ou também com mecanismos diretos da levedura sobre o parasito”, afirma a pesquisadora, que, além de analisar mecanismos imunológicos, pretende avaliar que tipo específico de muco está sendo produzido no intestino e qual o seu papel.
Medição de outras enzimas
A intenção é estudar o perfil celular e observar se o tratamento acarreta alguma variação em mecanismos do sistema imune, como quantidade de linfócitos. Também serão feitas medidas de outras enzimas intestinais, que são “parâmetros para identificar se a microbiota sofre alteração com a inflamação e se ela realmente é restaurada pelo probiótico”, esclarece Mayana. Ela acrescenta que, em seu projeto de pós-doutorado, pretende avaliar a microbiota completa do gerbil saudável e do infectado, para observar o impacto dos diversos tratamentos.
Com relação ao estresse oxidativo, Mayana Rodrigues explica que todo organismo produz espécies reativas de oxigênio – os chamados radicais livres –, processo compensado pela geração de enzimas antioxidantes. “Observamos que o metronidazol, sozinho, reduziu duas importantes enzimas associadas à ação antioxidante. Ou seja, combate a giardíase, mas, no fígado, um dos locais de metabolismo de medicamentos, ele reduz a atividade antioxidante e aumenta as atividades oxidantes”, relata.
De acordo com Mayana Rodrigues, o probiótico, mesmo associado ao metronidazol, melhora o perfil antioxidante, pois reduz os radicais livres e aumenta as enzimas antioxidantes no fígado. “Isso é um resultado relevante”, avalia a pesquisadora.