Do Fundão à Fund(aç)ão: ação, avanços e retrocessos em Bento Rodrigues
A recente ocorrência da tragédia em Brumadinho e o estado de pânico que se ampliou posteriormente em outras áreas de barragens minerárias reacenderam a discussão acerca dos passivos ambientais e danos ocasionados pela égide mineradora sobre paisagens e patrimônios. As leis efetivamente não surtiram o efeito desejado, e isso se explicitou na frustração de toda uma coletividade. Em ambos os casos, uma indagação evidencia-se: quais leis estão sendo aplicadas para assistência e proteção das pessoas cujas vidas foram aterradas pela lama de rejeitos? Em Mariana (MG), uma fundação foi criada para acompanhar e sistematizar as condicionantes de reparação/recuperação, porém os moradores ainda permanecem realocados – de suas vidas e realidades – em moradias provisórias. Assim é mais que pertinente discutir permanências e rupturas da reparação efetiva de danos socioambientais sobre Bento Rodrigues, em Mariana, e demais comunidades ribeirinhas na calha do Rio Doce, após a lama de rejeitos minerários.
Estudar a tragédia das barragens rompidas em Mariana e punir efetivamente os culpados são duas ações que deveriam servir de resposta à comunidade mineira, ao Brasil e ao mundo. No entanto, decorridos três anos de avanços e retrocessos na condução judicial do caso, o Brasil foi surpreendido por outra tragédia: o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão. Brumadinho sempre se lembrará das mais de 300 vitimas desse desastre, que transformou a cidade num vale da morte. Nesse contexto, apurar a responsabilidade e a aplicação da lei nos casos de Bento Rodrigues e Córrego do Feijão é uma pesquisa mais que necessária. É emergencial! Elucidar essas catástrofes é pauta para ontem. É preciso dimensionar os danos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, às comunidades e seus meios tradicionais de subsistência, bem como a cultura local, evidenciando o cumprimento de todas as prerrogativas legais até então descumpridas ou negligenciadas.
A comunidade científica tem-se posicionado no amplo mapeamento, espacialização e análise ambiental, incluindo as questões de saúde pública inerentes ao sofrimento mental dos afetados. Diferentes pesquisadores buscam dimensionar o panorama e contexto interdisciplinar da questão empreendendo diferentes pesquisas como desdobramentos pontuais e metodológicos que, respaldados em rigor, cientificidade, credibilidade, dão feedback imediato à sociedade brasileira e mundial. Registram-se assim as perspectivas, permanências e rupturas do rompimento das barragens de Fundão e Santarém.
Esse adoecimento psíquico das pessoas ocorre quando as relações afetivas e simbólicas com o lugar são rompidas. Os casos recentes de rompimento afetaram paisagens camponesas e de excepcional natureza, ocasionando a descaraterização total das referências simbólicas e culturais das comunidades ribeirinhas.
Um estudo que abarque com amplitude as consequências do crime ainda não se consolidou. A fundação criada para efetivar auxílios e benefícios diretos e indiretos para as famílias atingidas, via obrigatoriedade legal, tem tido atuação por vezes difusa e incompleta. No caso de Bento Rodrigues, o novo povoado planejado para ser estabelecido em área mapeada como segura e viável teve sua construção adiada várias vezes.
É preciso diagnosticar os impactos sobre o patrimônio ambiental e as comunidades que até então dependiam desse ambiente para viver harmonicamente resguardadas pelo direito previsto no artigo 225 da Constituição Federal. A atenção de todos os envolvidos busca averiguar a dimensão dos impactos sobre o patrimônio cultural material/imaterial, sobre o patrimônio natural e sobre as relações de subjetividade, de pertencimento. A relação cultural com o lugar, ou seja, os laços e enlaces comunitários que existiam ali foram cortados. Dentro das prerrogativas e normas legais em vigor, o que foi cumprido ou não no sentido de reversão do quadro de destruição, de desolação? Como ocorreu a judicialização dos diferentes casos de impactos sobre os patrimônios culturais e ecológicos? Tanto a comunidade científica quanto o Judiciário devem ainda dimensionar os impactos socioeconômicos sobre a população atingida, pois as pessoas perderam casas, bens, carros, meios de subsistência. Como elas reagiram e se refizeram após a tragédia?
Os tramites atuais devem-se concentrar em analisar, à luz da jurisprudência atual, os impactos sobre a economia local, a ecologia e a cultura material/imaterial após os danos sofridos, evidenciando as várias facetas de um amplo crime ambiental não criminalizado, discutindo com a sociedade os referenciais legais e os ajustes necessários na legislação em vigor. Ao evidenciar os avanços e retrocessos na condução da responsabilização pelos vários crimes associados ao rompimento da barragem minerária, a coletividade optará por um disciplinamento maior e mais exigente, pois a ausência de punição severa e efetivamente adequada trouxe prejuízos incomensuráveis às comunidades.
Como novos panoramas não se consolidaram em Mariana, a tristeza se repetiu três anos depois. Descaso? Desleixo? Irresponsabilidade?
Como novos panoramas não se consolidaram em Mariana, a tristeza se repetiu três anos depois. Descaso? Desleixo? Irresponsabilidade? Brumadinho e Mariana evidenciam uma tessitura de atrasos, retrocessos e poucos avanços do judiciário no sentido de criminalizar e punir os culpados. É por isso que judiciário, coletividade e a universidade se unem, agora, para que episódios como esses não entristeçam mais o Brasil e o mundo. Mar de lama, nunca mais! Esse é o grito que nunca se calará.