Celebração do patrimônio
Festival de Inverno entra no debate sobre memória, com atividades em BH e Tiradentes; rodas de conversa vão tratar do valor imaterial
As questões que tocam o grande tema do patrimônio e da memória têm inspirado debates fundamentais, motivados tanto por catástrofes como os incêndios do Museu Nacional e do Museu da Língua Portuguesa quanto pelo questionamento de políticas públicas para o setor. A 51ª edição do Festival de Inverno da UFMG entra nessa conversa, por meio de exposições, oficinas, espetáculos, debates e outras atividades que terão início no dia 11 de julho, no Campus Cultural UFMG em Tiradentes. A abertura oficial será no domingo, 14, em Belo Horizonte.
A ideia é que a contribuição do Festival seja “positiva e propositiva”, nas palavras do diretor de Ação Cultural, Fernando Mencarelli. “A Universidade tem a responsabilidade de participar do debate, e resolvemos fazer isso por meio de políticas e projetos sobre patrimônio em curso na Instituição. Articulamos ações bem-sucedidas e outras iniciadas, em imóveis de inestimável valor histórico que integram o conjunto de espaços culturais da UFMG”, afirma. Ele ressalta que o Centro Cultural e o Conservatório estão entre as primeiras edificações da capital, e o Espaço do Conhecimento integra o importante conjunto da Praça da Liberdade. Em Tiradentes, o Museu Casa Padre Toledo, o Centro de Estudos e Biblioteca e o Quatro Cantos Espaço UFMG Cultural são prédios do século 18 que remetem ao barroco e à Inconfidência Mineira.
A organização do Festival de Inverno pretende que os espaços se aproximem ainda mais das cidades e das comunidades locais, ampliando e dando mais visibilidade às suas programações. A ação integrada dos espaços culturais também gera atividades que criam novas opções para a população de Belo Horizonte e Tiradentes (e cidades próximas) durante as férias de julho.
Integração
Segundo Fernando Mencarelli, os responsáveis pelos espaços foram convidados a pensar nas prioridades de seu planejamento, conciliando-as com a temática e os objetivos do Festival de Inverno. “Os centros tiram partido da mobilização de recursos humanos e financeiros prevista para o evento para potencializar projetos”, diz Mencarelli, enfatizado que o orçamento do Festival sofre com a redução de recursos que atinge as universidades federais, o que também motivou a integração das ações estruturantes e projetos em desenvolvimento nos espaços com a programação do evento.
A composição da equipe de curadores seguiu a lógica da distribuição do Festival pelos centros de arte e cultura da Universidade. Os curadores são, além de Fernando Mencarelli, os diretores das unidades: Fabrício Fernandino (Centro Cultural), Fernando Rocha (Conservatório), Diomira Faria (Espaço do Conhecimento) e Verona Segantini (Campus Cultural UFMG em Tiradentes). O grupo tem ainda a participação de Ana Panisset, coordenadora do Acervo Artístico UFMG. Um site contendo as cerca de 300 obras já inventariadas do Acervo (de um total aproximado de 1.700) será lançado durante o evento.
Neste ano, o Festival está vinculado à Virada Cultural de Belo Horizonte, em parceria estabelecida com a Secretaria de Cultura. Shows em diferente locais e um concerto do Ars Nova – Coral da UFMG, no Conservatório, na noite de sábado (20), são algumas das atrações da programação integrada.
A organização do Festival de Inverno pretende que os espaços se aproximem ainda mais das cidades e das comunidades locais, ampliando e dando mais visibilidade às suas programações.
Memória em exposições
Em sua participação no Festival de Inverno em 2019, o Centro Cultural UFMG comemora 30 anos de fundação, com cinco exposições: as individuais de Marco Tulio Resende e Carlos Wolney, mostra do acervo do aquarelista alemão Friedrich Hagedorn, que viveu no Brasil por 20 anos, no século 19, e outras duas sobre a memória do próprio Centro Cultural e do conjunto da Praça da Estação.
O Conservatório UFMG, fundado antes da Universidade, também vai apresentar os resultados da pesquisa que mergulhou em sua história. Haverá recitais e vivências com o Trio Corrente, de jazz instrumental, vencedor do Grammy, e do Quinteto Villa-Lobos. Também no espaço, localizado na Avenida Afonso Pena, serão apresentados trechos da ópera Tiradentes, de Manoel Joaquim de Macedo (1847-1925), recuperada recentemente por pesquisadores da Escola de Música.
As atividades no Espaço do Conhecimento serão inspiradas, em grande parte, no cinquentenário da chegada do homem à Lua, a começar pelo lançamento de selo comemorativo dos Correios. Sessões de planetário para todas as idades vão abordar o céu como patrimônio, astronomia indígena e arqueoastronomia maia, entre outros temas. Os visitantes terão contato com a preparação de exposição que será inaugurada no fim do ano, com curadoria de lideranças indígenas de cinco etnias, entre eles, o xamã e líder yanomami Davi Kopenawa, que terá um encontro com o público para tratar do tema Imagens da memória: sonhar a terra.
O Festival também se estenderá a quatro centros culturais da Prefeitura de Belo Horizonte, integrando artistas e agentes culturais locais.
Novas concepções
Esta é a primeira edição do Festival de Inverno que será sediada também no Campus Cultural UFMG em Tiradentes. No dia 11 de julho, serão iniciadas as atividades na cidade, no Centro de Estudos e Biblioteca, com mesa-redonda sobre os 230 anos da Inconfidência Mineira e exibição de documentário sobre o paisagista Roberto Burle Marx. O Centro será reinaugurado com nova configuração: pesquisadores, grupos e centros de estudos associados desenvolverão projetos sobre temas de maior impacto em Tiradentes e região, em campos como história, meio ambiente e arte. A instituição passa a abrigar coleções do acervo do poeta Affonso Ávila.
O Museu Casa Padre Toledo vai apresentar uma renovação da concepção expográfica, cujo conteúdo recupera a importância da edificação, sua memória ligada aos inconfidentes e a biografia do padre Carlos Correia de Toledo e Melo, um dos líderes do movimento. O museu vai abrigar exposição sobre personagens da Inconfidência e representações da antiga Vila de São José. O Quatro Cantos Espaço UFMG Cultural vai receber intervenção sobre “memórias e janelas” e exposição sobre a atriz e bailarina romena Dorothy Lenner, radicada em Tiradentes.
Rituais e saberes como patrimônio
Na terça-feira, 16 de julho, o Conservatório vai abrigar, como parte da agenda do Festival de Inverno, a 1ª Jornada de Estudos sobre o Patrimônio Cultural Imaterial. Pesquisadores, gestores e representantes de comunidades cujos saberes e práticas foram patrimonializados vão integrar duas rodas de conversa sobre o patrimônio imaterial. Instituída recentemente, a modalidade se caracteriza pelo protagonismo dos atores dos saberes e práticas vinculadas à cultura popular e ao conhecimento tradicional.
A primeira mesa vai tratar dos sentidos locais da patrimonialização, ou seja, como as comunidades lidam com a nova simbologia, o que mudou para elas e qual é a pauta de reivindicações. A conversa vai reunir, entre outras, representantes da Comunidade dos Arturos, do Reinado do Jatobá e do Terreiro Ilê Wopo Olojukan. No segundo encontro, gestores do patrimônio histórico e artístico, estudiosos do tema e representantes de comunidades vão debater os desafios que envolvem a patrimonialização.
“A concepção tradicional de patrimônio abrange, por exemplo, prédios tombados e objetos que saem de circulação para serem exibidos em museus. Nosso desafio é pensar sobre o que acontece com práticas culturais que não podem ser separadas das pessoas, tampouco do que elas decidem e da forma como lidam com os novos significados e usos de experiências, lugares e conhecimentos declarados patrimônio cultural”, afirma a antropóloga Lúcia Campos, professora da Uemg que realiza estágio pós-doutoral na Escola de Música da UFMG. Ela é uma das curadoras da Jornada, ao lado das professoras Leda Martins, da Faculdade de Letras, e Glaura Lucas, da Escola de Música.
Glaura Lucas ressalta a participação dos membros das comunidades, que adotam a categoria do patrimônio imaterial e tomam a iniciativa de reivindicar essa proteção. “É importante conhecer os motivos pelos quais as comunidades desejam a patrimonialização, os sentidos profundos relacionados à vida, ancestralidade e continuidade. O diálogo com as agências de proteção do patrimônio contribui para fortalecer as comunidades e garantir a transmissão de rituais e valores para as próximas gerações.”
A 1ª Jornada de Estudos sobre o Patrimônio Cultural Imaterial será aberta pela antropóloga e professora da UFRJ Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, que fará a palestra Caminhos das culturas populares e políticas públicas de patrimônio cultural imaterial. Ela é organizadora, com Joana Corrêa, doutora pela UFRJ, do livro Enlaces: estudos de folclore e culturas populares, que será lançado no encerramento do encontro.