Mineração e ecologia humana: desconstruções e reconstruções
Conflitos, riscos e tragédias parecem palavras-chave do tempo presente, que denunciam e testemunham uma desarticulação entre ecologia e mineração. Assim, abordar as questões do humanismo em tempos sombrios pressupõe a análise de traduções, cenários e perspectivas de desumanização. Sob essa ótica, Mariana e Brumadinho são representações dos riscos, crimes e traumas da mineração. Nesse contexto, críticas e resistências se consolidam no âmbito das ciências socioambientais e humanidades.
As questões da ecologia humana e da segurança no trabalho revelam, hoje, a brevidade da vida após as tragédias de Bento Rodrigues e Córrego do Feijão, que evidenciaram crimes, riscos e conflitos geradores de uma crítica social à mineração assim como uma reavaliação do seu postulado como força matriz da economia estadual, de forma a demonstrar que há alternativas produtivas mais viáveis e, sobretudo, sustentáveis.
Os cenários de destruição jamais se apagarão da história brasileira. Os lugares e paisagens de outrora estão irreconhecíveis. A memória coletiva, exposta de maneira cruel e desumana. Bento Rodrigues e Córrego do Feijão serão sempre lembrados. Tornaram-se museus abertos a denunciar a violação da vida. Entretanto, tendem a ser reapropriados como locais de convívio marcados por sua história trágica, que se perpetuará no imaginário social de Minas e do Brasil. São paisagens reconfiguradas com a proposta de construção de museus a céu aberto que documentem a devastação humana e a escravização discreta imposta aos que, na luta pela sobrevivência, entregam-se aos mandos e desmandos do capital. A destruição da paisagem comprova a intervenção da atividade minerária, antes e depois do rompimento das barragens. Eram lugares carregados de subjetividades e imaterialidades, referenciais de identidade, de pertencimento, de ancestralidade, cuja historicidade foi varrida do mapa. Em Bento Rodrigues, o desgaste perdura na reconstrução do novo povoado para reassentar os moradores e restabelecer-lhes a conexão que tinham com o lugar de origem e seus marcos simbólicos.
A mineração degrada, mutila, mata, intimida, faz calar. Ela contribui para o adoecimento psíquico dos atingidos, agravado pela morosidade dos julgamentos e indenizações.
A mineração degrada, mutila, mata, intimida, faz calar. Ela contribui para o adoecimento psíquico dos atingidos, agravado pela morosidade dos julgamentos e indenizações. Isso tudo faz gerar profundas críticas sociais ao modelo econômico minerador destinado a atender aos interesses das multinacionais. Como recorte espacial para se materializar os retrocessos da mineração, veem-se os alarmes e alardes de Barão de Cocais, de Congonhas e de Itatiaiuçu. Quantos lugares ainda serão devastados pelas atitudes imediatistas dos mineradores? Até quando se ouvirá que o destino de Minas é minerar, como se essa atividade fosse a única matriz socioeconômica?
A Serra do Curral é exemplo dessa devastação. De Parque Estadual foi transformada em grande área degradada, após três décadas de extração, e não passou pela recuperação exigida por lei efetivada. No local, surgiu um grande lago, e as encostas da serra encontram-se instáveis, com amarração técnica. Cartão-postal da capital mineira, ela abriga áreas importantes para a conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida citadina. No entanto, a degradação minerária e a urbanização desenfreadas delineiam novos cenários. Restam mobilizações emergenciais. A mineiridade tem de se reinventar.
A área deveria ser reabilitada e devolvida à coletividade sob a forma de um grande parque urbano público. Seria uma contraproposta à ideia de transformá-la em condomínio fechado e centro comercial conectados à região elitizada da Vila da Serra. Um parque é um retorno significativo para a sociedade, pois agrega inúmeras questões das áreas ecológica e social. A paisagem apreendida pela percepção motiva uma revisão societária acerca da mineração como potencializadora de catástrofes, cuja dimensão e impacto são evidentes em cenários de degradação e violação dos direitos humanos. Não precisamos lembrar que os rompimentos trouxeram danos irremediáveis às bacias dos rios Doce e Paraopeba. Minas Gerais protagonizou reiteradas histórias de tragédias minerárias. Ainda assim, elas se disseminam pelo estado e pelo país. Relembrando o ocorrido em Mariana, a tragédia em Brumadinho excedeu, transtornou e consternou. O desastre se soma a tantos outros em terras mineiras nos últimos 18 anos. Foi assim com a Rio Verde, em Nova Lima (2001), a Rio Pomba (2003), em Cataguases, e, depois, em Miraí (2007), a Companhia Siderúrgica Nacional, em Congonhas (2008), a Mineração Herculano, em Itabirito (2014), a Samarco, em Mariana (2015). Esperava-se, por fim, que, neste ano, Brumadinho fosse a última do estado e do Brasil. Mas não foi. Em julho, outra barragem estourou em terras baianas.
Estudos atestam a desumanização minerária como etapa contínua em processos históricos desde o Brasil Colônia. Os conflitos são perpassados pela violação da essência básica da humanidade e também da ecologia, expondo contextos criminosos. A mineração, com vistas à exportação e ao lucro imediato, gera impactos sociais, culturais e ambientais profundos, nem sempre positivos. A periculosidade e os riscos nos deixam alertas para a possibilidade de uma nova tragédia. Quando e onde será a próxima? Mais do que nunca é o momento certo de reinventar Minas Gerais. Que Mariana e Brumadinho nos acordem.