A sustentável presença do nióbio
Elemento químico tem sua versatilidade atestada na UFMG por estudos em áreas como farmacologia e energia
Elemento químico utilizado para dar resistência e leveza a ligas metálicas e a aços especiais, o nióbio é a base de composições farmacêuticas, desenvolvidas na UFMG, para tratamento de alguns tipos de câncer, para formulação líquida que funciona como pele sintética e para a produção de um gel clareador dental. O material é também usado pelo mesmo grupo de pesquisa, liderado pelos professores Luiz Carlos Oliveira e Rodrigo Lassarote Lavall, do Departamento de Química, na composição de baterias e supercapacitadores para gerar energia renovável.
“O nióbio é tão versátil e tem tantas aplicações que o comparo ao fictício vibranium, do filme Os vingadores”, diz o professor Luiz Carlos. As similaridades entre as duas substâncias incluem utilizações biológicas, em materiais especiais e em energia. Algumas dessas propriedades ainda não exploradas são objetos de patente em processo de depósito e estão resumidas em artigo que Oliveira vai submeter a uma revista da área de energia, com o título Nióbio, o vibranium da vida real.
Ao destacar as potencialidades do nióbio, Luiz Carlos Oliveira explica que o princípio químico de todas essas aplicações é o mesmo: “mudam apenas as formulações, para se obter um resultado melhor em cada caso”. As pesquisas, desenvolvidas em parceria com grupos das faculdades de Farmácia e de Odontologia, são estratégicas e buscam agregar mais valor ao material.
Ainda na área de aplicações biológicas, a equipe de Oliveira e pesquisadores da Faculdade de Odontologia desenvolveram um clareador dental, cujos testes têm demonstrado sua maior eficiência na comparação com produtos existentes no mercado. Ele não tem efeitos colaterais, pois não causa sensibilidade e não produz dano aos tecidos.
Uma das rotas de pesquisa do grupo liderado por Oliveira é o desenvolvimento de fármaco à base do óxido de nióbio (Nb2O5), extraído do mineral pirocloro. “Com base em mudanças químicas nesse minério usado em ligas metálicas, conseguimos obter uma molécula que tem ação anticâncer”, informa o professor.
Oxidação in situ
Seu grupo descobriu que é possível transformar o Nb2O5 em um cluster ou oligômero com a propriedade de gerar espécies de oxigênio que tendem a se ligar a células que estejam crescendo desordenadamente, a exemplo das tumorais. Nelas, os oxigênios são liberados, impedindo os processos de respiração celular e de multiplicação. “É a chamada oxidação in situ. Temos evidências, geradas pelo mapeamento químico feito pela equipe da Faculdade de Farmácia, de que essas moléculas de oxigênio formadas com a estrutura que contém nióbio vão preferencialmente para as células tumorais”, informa o pesquisador. A seletividade tornaria um fármaco com esse composto menos tóxico para o paciente, uma vez que atacaria preferencialmente a célula cancerígena. Com intermediação da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG, a equipe está buscando empresas interessadas para a transferência dessa tecnologia.
Projetado inicialmente para uso intravenoso, o composto também foi desenvolvido em forma de gel para uso tópico. “Nesse caso, o fármaco de nióbio, que é muito ativo e seletivo, é ligado quimicamente a um colágeno (pele sintética) e, ao cobrir uma ferida, pode ser liberado lentamente, de forma controlada, tendo também um efeito estético”, acrescenta Oliveira. Essa frente de pesquisa é realizada em parceria com grupo de radioquímica do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN). O professor assegura que o nióbio, comprovadamente, não tem efeito tóxico. “Há vários estudos a respeito. Participei, na Unicamp, de uma banca de tese que trata dos efeitos do nióbio no organismo, em um trabalho que usa esse minério como enxerto ósseo.”
Ainda na área de aplicações biológicas, a equipe de Oliveira e pesquisadores da Faculdade de Odontologia desenvolveram um clareador dental, cujos testes têm demonstrado sua maior eficiência na comparação com produtos existentes no mercado. Ele não tem efeitos colaterais, pois não causa sensibilidade e não produz dano aos tecidos. “Temos um produto pronto, faltam apenas os testes clínicos”, anuncia.
Supercapacitor
“A literatura já descreve baterias e supercapacitores que usam compostos de nióbio. Nós acrescentamos a essa molécula espécies orgânicas que dão e recebem elétrons com muita facilidade e, assim, produzimos um material ativo para eletrodos de supercapacitor, que tem um efeito ainda não descrito”, informa o professor. Uma das características do invento é a alta ciclabilidade, isto é, o material possibilita que o dispositivo seja carregado e descarregado várias vezes sem perder suas propriedades.
O material que contém nióbio, testado na UFMG pelo grupo do professor Rodrigo Lassarote Lavall, atingiu a marca de 50 mil ciclos de carga/descarga sem perder suas propriedades. Ou seja, é muito promissor para uso em supercapacitor.
Segundo Oliveira, artigos que mostram a ciclabilidade de dispositivos fazem referência aos chamados materiais redox, que possibilitam reações de redução-oxidação ou oxirredução, mas que são capazes de repetir esse processo por um número reduzido de vezes. Já o material que contém nióbio, testado na UFMG pelo grupo do professor Rodrigo Lassarote Lavall, atingiu a marca de 50 mil ciclos de carga/descarga sem perder suas propriedades. Ou seja, é muito promissor para uso em supercapacitor. “O desenvolvimento experimental mostra resultados bastante relevantes que podem levar à obtenção de uma tecnologia viável, com baixo impacto ambiental, por gerar energia a baixo custo e ter grande propagação temporal. Trata-se, pois, de um dispositivo de elevada vida útil”, esclarece o professor Jadson Cláudio Belchior, também do Departamento de Química, que está realizando os cálculos teóricos.
Belchior explica que neste momento, em que novas formas de produzir e armazenar energia limpa estão sendo investigadas, é importante conhecer as características do nióbio. “Com a ajuda de dados experimentais – cálculos de estrutura eletrônica, baseados em mecânica quântica –, queremos entender a forma estrutural desse material. Temos obtido evidências em espectroscopias e análises químicas e agora avançamos também no cálculo teórico, para reunir as informações e deixar o estudo mais robusto”, diz. Luiz Carlos Oliveira relata o interesse demonstrado pela Petrobras no supercapacitor: “Eles vieram ver esse material e nos pediram um projeto”, relata.
Outras áreas
Utilizado em gasodutos, oleodutos, mísseis, aeronaves e carenagem dos veículos BMW, por conferir leveza e grande resistência mecânica ao aço, o nióbio pode ser aplicado em outras áreas, segundo Luiz Carlos Oliveira, porque tem propriedades que favorecem o uso de um mesmo princípio químico. “A química presente em cada um desses processos – seja o fármaco anticâncer, seja o clareador ou o supercapacitor – é basicamente a mesma, ou seja, a ida e vinda dos elétrons. O que faz o dente perder a cor branca são os corantes que vão aderindo, e a reação causada pela troca de elétrons possibilita o efeito causador de clareamento, tirando dos dentes as moléculas dos corantes. É o mesmo efeito”, reitera.
O grupo de pesquisa liderado por Luiz Carlos Oliveira estuda o nióbio desde 2007, quando ele era professor na Universidade Federal de Lavras (Ufla) e, na UFMG, desde 2011. Um dos focos iniciais do trabalho era um projeto com a Petrobras, destinado à criação de materiais especiais de nióbio capazes de transformar um rejeito formado durante a produção do biodiesel em moléculas de interesse industrial.
O nióbio confere a outros materiais características como redução de peso, maleabilidade, soldabilidade, uniformidade, resistência ao desgaste e à fadiga térmica.
“O nióbio é tão estratégico que hoje qualquer foguete, jato ou míssil precisa ter um pouco desse minério na composição da liga metálica”, comenta o professor, lembrando que a maior reserva do país, localizada na região de Araxá (MG), é explorada pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa privada que tem como foco o desenvolvimento de tecnologias e produtos do nióbio.
Equipe: Luiz Carlos Oliveira, Jadson Cláudio Belchior e Rodrigo Lavall (Departamento de Química), Luis Morgan (Faculdade de Odontologia), Andre Luis de Barros e Tiago Hilário (Faculdade de Farmácia)
Transformador de propriedades
De acordo com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), o nióbio é “um metal macio, seguro e disponível, além de ser dúctil, maleável e altamente resistente à corrosão”. Confere a outros materiais características como redução de peso, maleabilidade, soldabilidade, uniformidade, resistência ao desgaste e à fadiga térmica.
Ainda segundo a empresa – fundada em 1955, em Araxá, Minas Gerais, onde se localizam grandes reservas de minério de nióbio –, esse elemento químico transforma as propriedades dos aços avançados, do alumínio fundido, dos vidros, das baterias e dos eletrônicos. Por isso, é usado nos setores automotivo, aeroespacial e ferroviário, que buscam fatores como segurança, força e resistência ao desgaste.
Dutos de óleo e de gás, torres e turbinas eólicas e tecnologias de armazenamento de energia são alguns exemplos de produtos beneficiados pelas propriedades que o nióbio agrega a materiais utilizados na geração e no armazenamento de energia.
O óxido de nióbio pode ser usado nos cátodos, eletrólitos e ânodos das tecnologias das baterias de íons de lítio para o fornecimento de energia elétrica e para armazenamento de força. “As baterias de nióbio, mais eficientes, atendem aos crescentes desafios da eletrificação dos veículos, fornecendo densidade de força, segurança e ciclos de carga, ao mesmo tempo que buscam manter os custos baixos”, informa a empresa em seu site.
Segundo a revista Pesquisa Fapesp, o Brasil detém cerca de 98% dos depósitos de nióbio em operação no mundo, seguido por Canadá e Austrália. Levantamento feito pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), extinto no fim de 2018 para dar lugar à Agência Nacional de Mineração (ANM), indica que as reservas brasileiras somam 842,4 milhões de toneladas. Araxá concentra 75% do total, enquanto 21% estão em depósitos não comerciais na Amazônia, e 4% localizam-se em Catalão (GO). A jazida goiana é explorada pela chinesa CMOC International Brasil, subsidiária da mineradora China Molybdenum. Juntas, as duas minas brasileiras respondem por 82% do nióbio vendido no mundo, em torno de 120 mil toneladas por ano – a CBMM produz 90 mil toneladas e a CMO, cerca de nove mil toneladas.