Nova crítica para novos textos
Em livro de ensaios, Wander Melo Miranda discorre sobre a crítica contemporânea e retorna a clássicos da literatura brasileira
O mexicano-peruano Mario Bellatin é o mais experimental escritor latino-americano contemporâneo, na visão de Wander Melo Miranda, professor emérito da UFMG. Bellatin integra um grupo especial, o dos autores-performers, que produzem o que Wander chama de texto-instalação, o qual demanda a participação dos sentidos. Autor de Salão de beleza e Cães heróis, Bellatin está, não por acaso, entre os objetos de análise em trabalhos reunidos por Wander, a convite da Cepe Editora, de Pernambuco, em Os olhos de Diadorim e outros ensaios, lançado na semana passada, em Belo Horizonte.
Em sua aproximação de autores como Bellatin, o mexicano Roberto Bolaño e o brasileiro Nuno Ramos, entre outros, Wander Melo Miranda toma emprestada a noção de campo ampliado, da crítica norte-americana Rosalind Krauss, aplicada em estudos sobre as instalações artísticas. “Trata-se de textos que se expandem e que, por isso, exigem outro olhar crítico, pronto menos a julgar que a experimentar”, diz Miranda.
Num dos textos, o autor descobre em Mario de Andrade, Carlos Drummond e Pedro Nava visões da mocidade, nos anos 20, sobre temas como a Belo Horizonte que, a um só tempo, era emblema do progresso e guardava forte marca rural.
Segundo escreve o autor em Literatura e biopolítica, essas obras proporcionam “à comunidade de leitores/visitantes novas possibilidades de constituir seu papel e definir as regras às quais se deve submeter, abrindo espaço para o que está fora do texto. O sentido político desse procedimento amplia o horizonte da mais instigante literatura atual”.
As instalações que mesclam palavras e outros elementos não são as únicas novidades com que tem deparado a crítica literária. Wander Miranda, que dedica a primeira parte de seu livro à teoria e à crítica contemporânea, salienta que expressões da periferia e movimentos de jovens também têm ajudado a abrir o leque. “O valor literário deixou de ser absoluto, passou a ser um valor de relação, que depende de vários fatores. Lembro de Antonio Candido, para quem a literatura era um direito de todos; agora, produzir literatura é um direito de todos”, diz o autor. Ainda segundo Wander, “a crítica universitária está em seu ápice, mas não tem mercado. Seu público acaba sendo o da própria academia”.
Versos, romances, relatos
Para organizar o conjunto de ensaios de Os olhos de Diadorim, Wander Melo Miranda deu uma pausa no projeto de produção uma nova biografia para Graciliano Ramos. O livro recém-lançado reflete as preocupações do pesquisador nos últimos anos – ele escolheu também textos dedicados à literatura brasileira e latino-americana. Sua análise perpassa aspectos das obras de Roberto Bolaño, Mario Vargas Llosa e o próprio Graciliano, entre outros. Num dos textos, o autor descobre em Mario de Andrade, Carlos Drummond e Pedro Nava visões da mocidade, nos anos 20, sobre temas como a Belo Horizonte que, a um só tempo, era emblema do progresso e guardava forte marca rural.
Miranda, que tirou partido de seus mergulhos no Acervo de Escritores Mineiros, da UFMG, ainda compartilha seu olhar sobre a correspondência de Drummond e Cyro dos Anjos e os relatos do carioca, diamantinense de coração, Alexandre Eulalio. Em 1958, aos 26 anos, o jornalista e professor passou quase um ano na Europa e contou suas experiências à antropóloga, poetisa e crítica de arte Lélia Coelho Frota, em 18 cartas e 17 cartões-postais. Wander trata o conjunto como uma espécie de romance de formação no exterior.
No ensaio que dá título ao volume, o professor emérito volta a seu livro de cabeceira, Grande sertão: veredas, e a uma das suas especialidades acadêmicas, a literatura italiana, para mostrar resíduos, na obra de Guimarães Rosa, da poesia italiana do século 13, conhecida como Dolce Stil Novo, que abrigava nomes como Dante Alighieri. “Tento ler, com base nessa corrente, duas imagens ligadas a Diadorim, a do pássaro e a dos olhos. Naqueles versos antigos, o conhecimento e o amor chegavam à mulher-anjo através dos olhos, e esta era também uma forma de ascensão a Deus. Essa concepção do amor reaparece transcriada no Grande sertão”, afirma Wander Melo Miranda, recém-eleito para a cadeira número sete da Academia Mineira de Letras.