'Teatro' de cultos
Pesquisador revela, em livro, a produção dos entalhadores em madeira, artistas que criaram, no século 18, a cenografia das igrejas mineiras
D. João V, rei português durante a primeira metade do século 18, era amante das artes, sobretudo do barroco romano, e estimulou fluxo intenso de arquitetos e artistas de outras partes da Europa para Portugal. O repertório europeu foi bastante modificado, formaram-se artistas portugueses em diversas áreas, e alguns deles vieram para o Brasil para, no período de 1730-1760, criar as esculturas ornamentais em madeira que transformaram igrejas mineiras de interior despojado em rebuscados “teatros” para o culto a Deus.
Estudos sobre essa produção que valorizou os retábulos de igrejas e capelas vêm sendo retomadas após algumas décadas de pouco interesse no assunto, e um dos expoentes desse movimento é o pesquisador Aziz José de Oliveira Pedrosa, que acaba de lançar o livro A produção da talha joanina na Capitania de Minas Gerais – retábulos, entalhadores e oficinas (Editora UFMG). Na obra, que reúne resultados de pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG, Aziz mapeia a produção e oferece novas informações sobre autoria, vida e obra dos entalhadores, estrutura e funcionamento das oficinas e a influência da arte de Portugal.
“Os entalhadores chegavam a Minas depois de viagens duras que, geralmente, incluíam temporadas no Rio de Janeiro, para recuperar-se do cansaço e fazer algum dinheiro. Eram artistas conectados com as novidades europeias e fizeram a transferência do repertório plástico português para altares e retábulos mineiros”, conta Aziz Pedrosa, que refez, por meio de visitas às igrejas e seus acervos históricos e a arquivos públicos, no Brasil e em Portugal, os caminhos de nomes como Manoel de Brito, Francisco Xavier de Brito, José Coelho de Noronha, Francisco de Faria Xavier, Jerônimo Félix Teixeira e Felipe Vieira.
Colunas sinuosas, de tipologia salomônica, elementos de teatro (cortinados, entre outros), figuras antropomórficas aladas e elementos arquitetônicos como frontões interrompidos e arquitraves são algumas características comuns à talha retabular, dourada e policromada. Aziz percorreu igrejas de municípios como Ouro Preto – onde estava a maior parte dos recursos disponíveis para as encomendas –, Mariana, Sabará, São João del-Rei, Tiradentes, Catas Altas, Itabirito, Barão de Cocais e Caeté.
Riscos comuns
Aziz Pedrosa explica que os artistas concorriam em editais lançados pela Coroa ou pelas irmandades, que já continham o desenho da obra pretendida e o valor que deveria ser desembolsado. O mestre vencedor organizava sua oficina, que quase sempre era instalada nos próprios templos, e sua equipe, geralmente composta de entalhadores – que entendiam de desenho e arquitetura –, escultores, carpinteiros e auxiliares, também responsáveis pela montagem da talha, e douradores.
“Algumas oficinas eram fixas, outras, estruturadas in loco para serem desfeitas após o serviço, e mais raramente os trabalhos eram contratados separadamente”, diz Pedrosa, que é professor de História da Arte da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). Por vezes, segundo ele, o mesmo risco servia para os altares de duas ou três igrejas, embora a execução pudesse conferir aspectos distintos às obras.
Aziz Pedrosa aborda, no livro, as talhas de 23 igrejas e capelas de 15 cidades. Embora ele localize no alvorecer dos anos de 1730 os primeiros espécimes do Barroco joanino, em Minas – nas matrizes de Santo Antônio, em Tiradentes, e de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto –, também encontrou indícios de experimentações nesse estilo já no fim da década anterior, quando foi produzido, por Francisco Branco de Barros Barrigua, o retábulo-mor, já desaparecido, da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Prados.
Livro: A produção da talha joanina na Capitania de Minas Gerais – retábulos, entalhadores e oficinas
Autor: Aziz José de Oliveira Pedrosa
Editora UFMG (Coleção Incipit)
384 páginas / R$ 79,80