De cabelos brancos
Doutor pelo ICB participou de estudos que vinculam o estresse ao embranquecimento dos pelos; pesquisa em parceria com Harvard foi publicada na Nature
Quando trabalhava em sua pesquisa de doutorado sobre o mecanismo de manutenção da dor mesmo após a resolução da resposta inflamatória, no caso da artrite reumatoide, William Antonio Gonçalves, que defendeu sua tese no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular da UFMG, em setembro de 2019, percebeu que os pelos dos camundongos embranqueciam quando o sistema sensorial era ativado e provocava – como se descobriria posteriormente – condição de estresse nos animais.
Liberado por sua orientadora, a professora Vanessa Pinho, para investir nessa pesquisa paralela, William desenvolveu experimentos junto com um dos coorientadores do doutorado, o professor Thiago Cunha, da USP de Ribeirão Preto. Os resultados coincidiram com os encontrados por pesquisadores da Harvard University e foram apresentados recentemente pela revista Nature, no artigo Hyperactivation of sympathetic nerves drives depletion of melanocyte stem cells, que tem como primeiro autor Bing Zhang e é assinado também pelos dois brasileiros.
Células chamadas nociceptores recebem a informação relacionada à dor e a levam até o gânglio sensorial da raiz dorsal. Componentes do sistema nervoso periférico, essas células transmitem a sensação ao sistema nervoso central. Nos estudos para sua tese, William Gonçalves precisava de uma ferramenta para interferir no processo da dor, e Thiago Cunha dispunha de uma droga, a resiniferatoxina, que elimina o nociceptor. “Quando injetei a droga nos meus modelos, percebi que os pelos dos camundongos ficavam brancos depois de algumas semanas”, relata o pesquisador. Ele repetiu o experimento algumas vezes e comunicou os resultados a Thiago Cunha, que, nessa época, passava um período sabático em Harvard. “Ele estava no laboratório de um dos colaboradores da professora Ya-Chieh Hsu, cujo grupo já havia observado o mesmo fenômeno e pretendia aprofundar as investigações. Thiago, então, firmou parceria com os pesquisadores de Harvard”, conta William.
Supressão das progenitoras
De acordo com William Gonçalves, o grupo da universidade americana já havia constatado que o fenômeno não se devia a resposta imune nem a resposta sistêmica, ou seja, liberação de corticosterona (o hormônio do estresse) no sangue. Eles levantaram a hipótese de que o sistema nervoso simpático poderia estar envolvido no processo. “Experimentos que fizemos em São Paulo mostraram que a atuação do sistema nervoso simpático, que é ativado pelo estresse, libera uma substância chamada norepinefrina na região onde células-tronco específicas geram melanócitos que são importantes para a pigmentação dos pelos”, explica o pesquisador.
Ainda segundo William, quando o sistema simpático libera a norepinefrina, ela se liga a um receptor nas células-tronco de melanócitos e ativa um mecanismo de alteração de fenótipo dessas células, que deixam o bulbo capilar. “No ciclo seguinte, de pigmentação do pelo, as progenitoras já não estão mais ali para dar origem ao melanócito. E o pelo continua branco.”
Uma contribuição especialmente relevante da dupla brasileira foi a realização de experimento com uma droga chamada guanetidina, que inviabiliza a liberação da norepinefrina na região onde estão as células progenitoras de melanócitos. Quando ela impedia a liberação da norepinefrina, ou seja, bloqueava a ação do sistema simpático depois da indução do estresse, o animal permanecia com o pelo preto. “Isso confirmou a hipótese de que o sistema nervoso simpático é o responsável pela depleção (eliminação) das células-tronco que geram os melanócitos”, diz William Gonçalves.
Outros nichos
O pesquisador destaca que os resultados dos estudos que uniram Harvard, USP e UFMG têm contribuição fundamental ao abrir novas perspectivas de investigações sobre o papel do estresse na mudança de características fenotípicas. “Mostramos que o estresse é capaz de alterar a homeostase, isto é, o equilíbrio de um tecido pela alteração de uma célula importante no bulbo capilar. Quantos outros nichos não podem ser alterados pelo estresse?”, indaga William Gonçalves.
Os resultados dos estudos que uniram Harvard, USP e UFMG têm contribuição fundamental ao abrir novas perspectivas de investigações sobre o papel do estresse na mudança de características fenotípicas.
Ele comenta também que o artigo da Nature relata testes com melanócitos de humanos, quando ficou demonstrado um comportamento peculiar das células que sofrem com o estresse: a expressão gênica de uma molécula específica, a cyclin-dependent kinase 2. Trata-se de constatação que abre caminho para possíveis terapias. Segundo William Gonçalves, o artigo gera questões sobre a possibilidade de influência do estresse no tratamento de doenças como diabetes, pressão alta e obesidade e mesmo sobre o desenvolvimento do câncer.
Também restaram, segundo ele, pontos a esclarecer. “Depois que a resiniferatoxina age sobre as células da dor, como ocorre a transmissão, a conversa entre o sistema relacionado à dor e o sistema simpático? Ficou essa pergunta”, diz o pesquisador, acrescentando que a resiniferatoxina já é estudada como alternativa a analgésicos tradicionais. “O artigo publicado na Nature tem tudo para ser referência para o desenvolvimento de muitas novas pesquisas”, conclui William Antonio Gonçalves.