Nas águas da Pampulha
Pesquisador da UFMG lidera descoberta de vírus com genes inéditos
Um vírus descoberto nas águas da Lagoa da Pampulha em estudo liderado pelo professor Jônatas Santos Abrahão, do Departamento de Microbiologia do ICB, está desafiando o trabalho de classificação de microrganismos, já que reúne 90% dos seus genes ainda desconhecidos pela ciência.
Batizado de Yaravírus, o microrganismo foi encontrado pela primeira vez quando Abrahão e um grupo de pesquisadores procuravam vírus gigantes na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. O pré-artigo com os resultados da pesquisa foi publicado no fim de janeiro na revista científica bioRxiv.
Há cerca de dois anos, o mesmo grupo de pesquisadores isolou o maior vírus do mundo, o Tupanvírus.
Os estudos contam com a parceria da Universidade Aix-Marseille, na França. “Nós buscamos vírus no ambiente, essa é a nossa linha principal de pesquisa. Tentamos procurar o potencial biotecnológico nesses novos vírus que estão no ambiente e, para isso, coletamos amostras em diferentes biomas do Brasil. Nós coletamos amostras, em 2017, na Lagoa da Pampulha, no córrego em frente ao zoológico, e fizemos o isolamento no Laboratório de Vírus. Em seguida, levamos essa amostra ao Centro de Microscopia da UFMG para fazer a microscopia eletrônica e identificar o que estava ali”, conta Jônatas Abrahão.
Segundo o pesquisador, daí veio a maior surpresa: “Esperávamos um vírus similar a outros já descritos, mas, quando vimos as imagens no Centro de Microscopia, percebemos que era um vírus muito pequeno, diferente daqueles com os quais trabalhamos no laboratório, que são vírus gigantes”.
Sequenciamento
O passo seguinte foi fazer a produção desse vírus em grande quantidade e encaminhar para o sequenciamento. “Quando sequenciamos o genoma, percebemos que se tratava de algo completamente novo, porque cerca de 90% das sequências do genoma codificavam para proteínas nunca antes vistas. Então, percebemos que tínhamos em mãos uma entidade biológica completamente nova”, explica o virologista.
Sobre a escolha do nome Yaravírus, cuja origem é Yara, a mãe das águas, a ideia foi dar continuidade às nomenclaturas segundo a mitologia indígena Tupi-Guarani. Há cerca de dois anos, o mesmo grupo de pesquisadores isolou o maior vírus do mundo, o Tupanvírus.
Próximo passo
De acordo com Jônatas Abrahão, o próximo passo é buscar apoio de instituições públicas ou privadas para explorar todo o potencial biológico e metabólico associado ao Yaravírus. “Como esses genes e essas proteínas são completamente novos, é bem provável que esse vírus expresse e se valha de vias metabólicas nunca antes descritas. Isso pode ser utilizado para atender a demandas do ser humano. Portanto, esperamos o apoio para seguir em frente com a pesquisa, formar pesquisadores no laboratório e divulgar a ciência brasileira”.
A descoberta dos genes inéditos pode acarretar diversos impactos para a ciência. “Nesse primeiro momento, o principal impacto do estudo é justamente a grande novidade que essa entidade biológica traz. O Yaravírus mostra para nós o quanto somos ignorantes em relação aos seres e entidades que habitam o nosso planeta. Também mostra o quanto somos ignorantes em relação ao que podemos aproveitar do que a natureza tem a nos oferecer”, destaca Jônatas Abrahão.
“É muito importante investir em ciência básica, buscar ferramentas e formar pessoas para entender a diversidade e a riqueza de espécies, que incluem animais, plantas e até microrganismos”, afirma o professor do ICB.
Pré-artigo: A mysterious 80 nm amoeba virus with a near-complete “ORFan genome” challenges the classification of DNA viruses
Autores: Paulo V. M. Boratto, Graziele P. Oliveira, Talita B. Machado, Ana Cláudia S. P. Andrade, Jean-Pierre Baudoin, Thomas Klose, Frederik Schulz, Saïd Azza, Philippe Decloquement, Eric Chabrière, Philippe Colson, Anthony Levasseur, Bernard La Scola, Jônatas S. Abrahão.
Data de publicação: 28 de janeiro
Revista: bioRxiv