Solidão no centro do gramado
Pesquisa resgata histórias e memórias de ex-árbitros de futebol em Minas Gerais
As glórias no futebol estão reservadas aos grandes jogadores e treinadores, aos jogos decisivos, gols e jogadas que se consolidam no imaginário coletivo. No entanto, um personagem fundamental em uma partida, aquele que tem o poder de autorizar o seu início e decretar seu fim, é praticamente escanteado – para usar um jargão do próprio universo futebolístico –, esquecido pelas versões oficiais da história e pouco valorizado nas relações de poder estabelecidas entre as instituições que compõem esse universo.
A análise é feita pelo pesquisador Gabriel Farias Alves Correia, na dissertação Uma grande solidão em meio à multidão: histórias e memórias da arbitragem de futebol de Minas Gerais, defendida no mês passado, no Centro de Pós-graduação e Pesquisas em Administração, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG. Como se trata de estudo no campo da administração, Gabriel Correia encara o árbitro como gestor de conflitos e interesses e aborda as relações de poder e a precarização do trabalho.
A análise das narrativas considerou quatro temáticas principais: as lembranças dos tempos de árbitro, sua função e seus pilares; os movimentos relacionados à busca pela profissionalização da arbitragem; as lembranças do futebol amador, profissional e tentativas de corrupção, além das lembranças das entidades representativas e organizadoras do futebol.
“As memórias dos ex-árbitros de futebol de Minas me possibilitaram compreender outras formas de pensar a administração e a gestão além daquela vigente nas organizações empresariais. Aqui, nos distanciamos de uma lógica tecnicista e compreendemos que o trabalho de rememorar, muitas vezes tratado como trabalho improdutivo, é uma ação importante do fazer social”, afirma o pesquisador.
O estudo está estruturado em eixos: a dinâmica de submissão ao autoritarismo das entidades de organização do futebol necessárias à sua sobrevivência, a dinâmica de incerteza quanto à atividade, que envolve aspectos como precarização do trabalho e as ingerências políticas relacionadas ao jogo de poder de federações, confederações e clubes de futebol, além das ingerências interpessoais, em que a simpatia de dirigentes se sobrepõe aos critérios objetivos estabelecidos pelas entidades do futebol para crescimento da carreira do árbitro.
Gestão criativa
Vinte e um ex-árbitros foram entrevistados. A análise das narrativas considerou quatro temáticas principais: as lembranças dos tempos de árbitro, sua função e seus pilares; os movimentos relacionados à busca pela profissionalização da arbitragem; as lembranças do futebol amador, profissional e tentativas de corrupção, além das lembranças das entidades representativas e organizadoras do futebol.
Segundo Gabriel, trabalhar com as memórias dos árbitros possibilitou-lhe imaginar como a gestão pode ser uma experiência diversificada. “O árbitro se comporta como gestor cada vez que precisa improvisar para manter a dinâmica de um ambiente. Ele desenvolve uma gestão criativa, cotidiana e ordinária, que se constitui durante o seu exercício, e, como produtor de uma práxis gerencial baseada em regras, vale-se da própria interpretação para improvisar uma solução para a questão que sobrevier”, avalia o mestre.
Dissertação: Uma grande solidão em meio à multidão: histórias e memórias da arbitragem de futebol de Minas Gerais
Autor: Gabriel Farias Alves Correia
Orientador: Alexandre de Pádua Carrieri
Programa: Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Faculdade de Ciências Econômicas
Defesa: 5 de fevereiro de 2020