Uma vertigem de cidade
Editora UFMG reedita livro que conta a história de Belo Horizonte com foco em sua arquitetura e seu urbanismo, face à crise da modernidade
Quando Belo Horizonte completou 100 anos, em 1997, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) percebeu que havia uma lacuna historiográfica quanto ao registro da evolução arquitetônica e urbanística da cidade e convidou o professor da Escola de Arquitetura Leonardo Castriota para organizar um livro que suprisse essa carência. Ele reuniu um conjunto de ensaios que atravessa toda a trajetória da cidade –das promessas positivistas encenadas antes de sua fundação aos impasses modernistas alcançados no fim do século 20 – e o publicou sob o título Arquitetura da modernidade.
Vinte anos depois, às vésperas do aniversário de 120 anos da cidade, a Editora UFMG edita novamente o volume e preenche a lacuna observada em 1997. Planejada em um novo e refinado projeto gráfico, essa segunda edição preserva a integridade dos textos originais e reproduz as quase 200 imagens colecionadas pelo organizador, entre fotografias, croquis, mapas e perspectivas – tudo em cores e gravado sobre papel cuchê.
Já disponível nas livrarias, Arquitetura da modernidade reúne um conjunto heterogêneo de textos, mas que se encontram em um denominador comum: a concepção de que as contradições que se materializaram no corpo da urbe no decorrer do último século são uma alegoria doméstica para o próprio impasse maior da modernidade, em sua problemática pretensão positivista.
Pressa
Os dilemas e as contradições enfrentadas pela capital mineira na travessia do século 20 sobressaem nos textos do volume. “A pressa em direção ao futuro fez com que a cidade esquecesse seus planejadores e seu início calcado sobre um rígido projeto e navegasse à deriva, sem norte, até os tempos atuais”, escreve, no prefácio, o professor Flávio Carsalade, da Escola da Arquitetura. O arquiteto critica esses momentos, nada raros na história da capital mineira, em “que se permitiu que as coisas se fizessem a esmo, sem a arquitetura” e lembra que essa pressa fez com que “alguns lugares fossem reconstruídos até quatro vezes”, “espaços públicos fossem sendo sistematicamente ocupados e privatizados”, “árvores fossem cortadas, tudo em nome da modernidade e do progresso”. Carsalade classifica esse processo como uma “antropofagia irracional”, devoradora de memórias.
No texto em que apresenta o volume, o organizador Leonardo Castriota explica que essa dinâmica constrói-derruba-reconstrói é consequência do “mito do novo”, dominante, de certa forma, em nosso continente: ou seja, “aquela ideia de que a grande tarefa consiste em projetar para o futuro, fazer realidade a distante utopia, mito reforçado pelo fato de que para a população latino-americana quase tudo está por fazer, e as expectativas e as esperanças contam mais que as reminiscências do passado”. Nesse ponto, Castriota critica a sensação de “atraso” vivida pela população latino-americana em relação ao progresso já experimentado pelo velho mundo, que não percebe que esse mesmo progresso já alcançou os seus impasses e aporias.
Ivo Porto de Menezes também alude, no posfácio, ao caráter irônico e contraditório desse “progresso”: “Escolhe-se o lugar, plano como se pensava, com uma única serra que lhe permitia um belo horizonte. Nem tão plano assim, nem prevendo que o belo horizonte fosse ofendido pela mineração, nem prevendo um crescimento desordenado.” O veterano arquiteto relembra um episódio que ilustra os equívocos dessa expansão. “Quando fiscal de baixas da Prefeitura, fomos verificar o que ocorria com uma casa,embargada por estar sendo construída no meio de uma praça de um loteamento, e verificamos que esta, de fato, estava localizada em lote de outro loteamento que se sobrepunha ao anteriormente citado.”
Livro: Arquitetura da modernidade
Organizador: Leonardo Barci Castriota
Editora UFMG
R$ 54,90 / 288 páginas