Boletim

Nº 1982 - Ano 43 - 18.06.2017

Automáticos e disfuncionais

Pensamentos que escapam a consciência

Pesquisas da Pós-graduação em Psicologia investigam papel das cognições disfuncionais automáticas no estado psicológico de adolescentes e de diab

Além dos pensamentos conscientes, nossas mentes realizam uma série de operações de forma rápida e espontânea: são os chamados “pensamentos automáticos”, que, segundo a Terapia Cognitiva, têm significativa relação com o modo como cada indivíduo interpreta e reage a situações. “Os pensamentos automáticos são aqueles que aparecem na mente sem controle voluntário e são precedidos ou seguidos de emoções. Todo mundo tem pensamentos desse tipo sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o futuro”, explica o professor Maycoln Leôni Martins Teodoro, do Departamento de Psicologia da Fafich. 

Duas pesquisas de doutorado em curso no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG se relacionam com o tema. Uma delas é de autoria de Mariana Froeseler, que busca refinar os resultados que alcançou no mestrado. Na dissertação, Mariana trabalhou na Construção e avaliação de propriedades psicométricas iniciais do Inventário de Pensamentos Automáticos Negativos e Positivos para Adolescentes (IPANPA). O estudo consistiu no desenvolvimento de instrumento que possibilita avaliar a frequência com que adolescentes têm pensamentos automáticos positivos e negativos sobre si mesmos, sobre os outros e sobre o futuro, o que pode contribuir para uma melhor compreensão do papel desse tipo de pensamento no adoecimento e no bem-estar psicológico. “Quando distorcidos, eles se relacionam com reações emocionais, fisiológicas e comportamentais disfuncionais”, explica Mariana Froeseler, indicando a relação entre pensamentos automáticos e certos quadros psicopatológicos, como a depressão e a ansiedade.

“Agora, no doutorado, pretendo desenvolver um estudo longitudinal a fim de verificar, no que diz respeito ao adoecimento e ao bem-estar psicológico de adolescentes, o poder preditivo de variáveis cognitivas comportamentais e emocionais”, adianta a pesquisadora. Nesse projeto também serão mapeadas relações mais específicas entre os pensamentos automáticos, positivos e negativos, e sintomas e transtornos psicopatológicos. Mariana acredita que “compreender como esses pensamentos se dão pode ajudar a entender como os transtornos mentais se estabelecem e a diferenciar perfis psicopatológicos”.

Segundo a doutoranda, pensamentos automáticos podem resultar em erros sistemáticos de cognição, já que as ideias que carregam são tomadas como verdades acerca da situação vivenciada. Diferentemente dos pensamentos que resultam de livres associações e de raciocínios, os automáticos surgem de maneira espontânea e muitas vezes não são percebidos conscientemente – ainda que possam ser alcançados por meio de treino. Em razão dessa dificuldade de alcançá-los, esses pensamentos podem colaborar para o surgimento de comportamentos e emoções desadaptativas, levando o indivíduo a manter ideias distorcidas como válidas – mesmo que as evidências sejam contrárias. “Entre os tipos de falhas do processamento de informação, estão as inferências arbitrárias, a hipergeneralização, a personificação e o pensamento dicotômico absolutista”, exemplifica a pesquisadora.

Círculo vicioso

A dissertação de Mariana Froeseler foi apresentada à pós-graduação em Psicologia em 2014, sob a orientação do professor Maycoln, também orientador da doutoranda Priscilla Moreira Ohno. Ela está aprofundando os resultados alcançados na dissertação Cognições e coping cognitivo relacionados à qualidade de vida em diabéticos, que acaba de ser defendida.

Em seu trabalho, Priscilla Ohno investiga a comorbidade entre diabetes e depressão e as consequências dessa relação na qualidade de vida dos portadores da doença. “Existe uma relação bidirecional e cíclica entre diabetes e depressão, na qual o agravamento de um quadro clínico gera efeitos diretos e indiretos no outro”, explica. Os índices de depressão, segundo ela, são, em média, duas vezes maiores em pacientes adultos diabéticos. “Quando não há êxito no controle da doença, surgem sentimentos de culpa, frustração, raiva, medo e desesperança, levando o paciente à autoatribuição de fracasso. De 10 a 15% dos diabéticos apresentam sintomas depressivos”, estima. Do mesmo modo, prossegue, “essa depressão – sintomática ou não – provoca novo impacto negativo no tratamento do diabetes, diminuindo a qualidade de vida”.

De acordo com Priscilla, esses sentimentos podem ser frutos de “cognições disfuncionais”, ou seja, resultado de pensamentos automáticos distorcidos e da sua capacidade de interferir no estado de ânimo do paciente. “Em relação a esses pacientes, ocorrem erros sistemáticos no processamento da informação recebida do meio e na forma de verem a si, os outros e o futuro”.

Além das cognições disfuncionais, Priscilla tratou das estratégias cognitivas de enfrentamento (coping) possíveis a esses pacientes. Com foco nessas estratégias, a pesquisadora traduziu e adaptou para o Brasil o Cognitive Emotional Regulation Questionnaire (CERQ), instrumento que avalia as posturas de enfrentamento assumidas pelos indivíduos em resposta a eventos estressores ou ameaçadores. A ferramenta, que funciona em modelo de autorrelato, também foi adaptada pela pesquisadora para a avaliação específica de diabéticos.

Ewerton Martins Ribeiro