Boletim
Mentes que sofrem
Mentes em risco
Transtorno mental é a principal causa de longos afastamentos por doença na UFMG; dados evidenciam a necessidade de formulação de política institu
O Departamento de Atenção à Saúde do Trabalhador (Dast) da UFMG consolidou relatório dos atendimentos realizados no setor com diagnósticos relacionados a transtornos mentais e comportamentais. O trabalho, que cobre todos os atendimentos de 2011 a 2015, revela que os transtornos mentais e comportamentais são a primeira causa de longos afastamentos de servidores por doenças na Universidade, seguidos pelas doenças do sistema osteomuscular.
Transtornos do código F00 ao código F99 na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID10).
No Brasil, os transtornos mentais e comportamentais são a terceira causa de longos afastamentos do trabalho (quando há concessão de auxílio-doença por incapacidade laborativa), conforme levantamento realizado pelo pesquisador João Silvestre da Silva-Junior, em sua dissertação de mestrado, defendida em 2012. Silva-Junior alerta, em sua pesquisa, que o absenteísmo no trabalho por doença é considerado um significativo problema de saúde pública. “É fundamental conhecer a magnitude do problema para programar políticas de promoção de saúde que evitem ou minimizem repercussões clínicas”, escreve.
A diretora do Dast, Regina Monteiro Campolina Barbosa, explica que, na UFMG, os dois problemas de saúde – doenças do sistema osteomuscular e transtornos mentais e comportamentais – muitas vezes se relacionam, incorrendo concomitantemente. A depender do levantamento, eles, até mesmo, se revezam na liderança do ranking de ocorrências, afirma. Em relação aos dados descritos no relatório sobre os índices de transtornos mentais e comportamentais na Universidade, a diretora conta que ainda não há uma explicação definitiva para a sua gravidade. “De imediato, o que eles nos mostram é que existe um problema grave, que precisa ser atacado.” A diretora afirma que, sensível à questão, a Pró-reitoria de Recursos Humanos (PRORH) tem direcionado esforços e pessoal para pesquisas na área. “Queremos nos aprofundar na análise dos dados e de seus impactos na comunidade acadêmica”, diz.
Regina Barbosa apresentou o relatório da pesquisa durante a 4ª Semana de Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG, realizada em maio deste ano. A Comissão Institucional de Saúde Mental (Cisme) da Universidade, que ela integra, está se valendo dessas informações para estimular a elaboração e a definição formal de uma Política de Saúde Mental da UFMG. “Nossa comunidade e a própria Administração Central da Universidade têm grande expectativa em relação aos trabalhos da Cisme”, afirma a professora Claudia Mayorga, pró-reitora adjunta de Extensão e coordenadora geral da Semana. A Comissão vem construindo há alguns anos uma agenda pública sobre o assunto e, em maio, no Fórum de saúde mental da UFMG, delineou, junto com a comunidade acadêmica, algumas diretrizes para essa política.
Mayorga destaca a relevância dos dados coletados pelo Dast. “Eles revelam que a questão da saúde mental toca a todos nós e é bastante complexa, o que exige que, em nossas análises e em nossas ações, efetivemos maior conexão entre vida institucional e vida comunitária”, defende. Para ela, enfrentar esse desafio demandará o envolvimento de diversos atores e setores da instituição, mas também de fora dela.
A pró-reitora adjunta de Extensão, que é docente no Departamento de Psicologia na Fafich, lembra que o cenário interno da Universidade se situa em um espectro mais amplo, nacional. “Em nosso país, temos uma importante história de construção de políticas de saúde mental estreitamente relacionadas aos princípios da saúde pública e dos direitos humanos, com forte contribuição da UFMG, por meio de ações de extensão, pesquisa e ensino. O exercício complexo que temos pela frente é o de tomarmos a nós mesmos – a Universidade – como alvo de nossa reflexão. Avalio que temos condições de fazer isso acontecer.”
Para Regina Barbosa, os dados agora mensurados vão colaborar para essa reflexão. “O mais importante desse trabalho realizado pelo Cisme é que ele dá visibilidade para um problema que, normalmente, é invisível aos olhos. Trazer para a pauta institucional a discussão sobre os impactos do transtorno mental e comportamental nas rotinas da Universidade é questão de primeira ordem”, sugere.
Estado de alerta
De 2011 a 2015 foram realizados 37.309 atendimentos a servidores ativos da UFMG. Destes, 5.369 resultaram em diagnósticos relacionados a transtornos mentais e comportamentais, ou seja, 14,4%. Na contabilidade dos indivíduos atendidos, o índice também não varia muito: no período, foram atendidos 13.698 servidores; destes, 1.781 – ou 13% – foram diagnosticados com transtorno mental ou comportamental.
O número absoluto de atendimentos e o número de servidores atendidos são diferentes em razão de algumas pessoas procurarem assistência em mais de uma ocasião.
Segundo a diretora do Dast, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 13% das pessoas sofram de transtornos mentais e comportamentais. Na UFMG, o índice é equivalente, mas há indícios de que, no âmbito acadêmico, haja uma discrepância negativa no registro estatístico do problema: afinal, o servidor não precisa procurar o Dast para tratar o problema, podendo recorrer a atendimentos externos. “Temos um cenário em que a subnotificação é grande”, afirma a professora Maria Stella Goulart, presidente da Cisme. “Há uma série de questões que são próprias da Universidade e que colaboram para os transtornos, como a busca incessante por aumento de produtividade”, lembra Stella. A afirmativa é respaldada pelo último Relatório Anual de Atividades do Dast, de 2014, que informa que, entre os diagnósticos de transtornos realizados pelo órgão, prevalece o F43, Reações ao stress grave e transtornos de adaptação, seguido dos diagnósticos de Episódios depressivos (F32) e Transtorno depressivo recorrente (F33).
Apesar de as taxas de afastamento do trabalho persistirem elevadas na série histórica compilada pelo Dast, o índice de atendimentos relacionados a transtornos mentais e comportamentais vem caindo nos últimos anos. Em 2011, esses diagnósticos foram dados em 21,5% dos atendimentos; em 2012, em 17,3%; em 2013, em 15,3%; em 2014, em pouco mais de 10% e, em 2015, em apenas 9%. “Ao contrário de sugerir uma diminuição da incidência do problema, a queda no índice pode indicar uma queda na procura por atendimento, por motivos diversos e alheios à questão da saúde, o que se mostra um problema a mais”, alerta Regina Barbosa.
Também chama atenção a situação do Hospital das Clínicas (HC): apesar de reunir 21% dos servidores da Universidade (dados de 2014), mais da metade do montante de servidores diagnosticados com transtorno mental e comportamental são oriundos da Unidade. A diretora do Dast atribui esse quadro ao caráter desgastante da atividade hospitalar e a seu potencial de desencadear esse tipo de problema. “Além disso, houve mudanças administrativas no âmbito do HC que podem estar colaborando para o agravamento do problema”, comenta, lembrando as recentes mudanças na gestão dos hospitais de universidades federais.
O “índice de atendimentos por servidor”, por sua vez, também põe foco em outras unidades, deslocando a atenção da quantidade de servidores acometidos para a gravidade dos transtornos vividos por eles. A Escola de Arquitetura, por exemplo, tem baixa -frequência de atendimentos em números absolutos, mas apresentou média de 6,1 atendimentos por servidor, a mais elevada entre as unidades. Em seguida vem a Pró-reitoria de Recursos Humanos, com 5,6 atendimentos por servidor, e a Escola de Ciência da -Informação (ECI), com 5,1.
Consolidados, esses números chamam atenção não apenas pelo que traduzem de impactos sofridos pela saúde dos trabalhadores, mas também pela influência nos processos da Universidade. Conforme levantamento do Dast, foram concedidos 301.706 dias de afastamento aos servidores da Universidade por motivo de saúde entre 2011 e 2015 – média anual de 60.341. Os transtornos mentais e comportamentais foram responsáveis por mais de 20% desses dias de afastamento.
Discentes
O levantamento também revela preocupante índice relativo à saúde mental dos alunos da Universidade. Dos 2.762 atendimentos realizados de 2011 a 2015 a alunos no Dast, 440 – 15,9% – resultaram em diagnósticos relativos aos transtornos mentais e comportamentais. “Mas temos poucos dados sobre os alunos, já que eles só precisam nos procurar por questões relativas a trancamento de matrícula ou estabelecimento de regime especial”, pondera Regina.
Durante a 4ª Semana de Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG, algumas diretrizes foram delineadas de forma a direcionar o estabelecimento da Política de Saúde Mental da UFMG – entre elas, a Teoria de “recovery” ou restabelecimento, que preconiza entender o sofrimento mental não como o “fim da linha”, a falência do sujeito, mas como a abertura para novas possibilidades de diálogo e relacionamento, sempre com foco no bem-estar.
“Devemos caminhar na direção de uma atuação diante dos transtornos e crises, mas que também parta do princípio de despatologização da vida e do entendimento do sofrimento, em sintonia com os Direitos Humanos e as políticas antimanicomiais de saúde mental, nacional e local”, diz Regina Barbosa. “A Universidade, como construtora de conhecimento e promotora de cultura, deve atuar nessa direção”, conclui a diretora.