Boletim

Nº 1946 - Ano 42 - 27.06.2016

O futuro em jogo

Alerta ligado

Ameaças à criação da Base Nacional Curricular e de suspensão de programas de materiais didáticos e livros do MEC mobilizam educadores

A preocupação com o futuro de políticas nacionais da -educação básica, de importância reconhecida por educadores, gestores e pesquisadores de todo o país, cresceu nos últimos meses em virtude da crise institucional e política vivida pelo país. Uma delas é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),

ameaçada por projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que visa submetê-la à aprovação do Congresso Nacional, o que fere o andamento preconizado pelo Plano Nacional de Educação (PNE).

“O fórum legítimo é aquele formado por estudantes, professores, pais, comunidade escolar, estados, municípios, MEC e Conselho Nacional de Educação”, afirma a professora Isabel Frade, diretora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), órgão da Faculdade de Educação responsável pela coordenação institucional do processo de elaboração da Base.

Isabel Frade enfatiza que a BNCC – prevista na Constituição de 1988 e no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 – deve ser tratada como uma política de Estado, não de governo. “Quando estiver concluída, será um documento de referência para que as escolas de todo o país possam elaborar seus currículos. É, portanto, algo que está sendo feito para o futuro e que vai muito além desse momento de crise institucional”, afirma Isabel Frade, que atuou como assessora na área de Linguagens da BNCC, nas duas primeiras versões.

A Base começou a ser elaborada em 2015 por comissão de 15 assessores e mais de 100 especialistas indicados pelo Ministério da Educação (MEC), pelo Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). A primeira versão foi publicada em setembro do ano passado e passou por consulta pública durante quatro meses. No início de maio, saiu a segunda versão, que levou em conta a sistematização das 12 milhões de contribuições recebidas no Portal da Base e os pareceres de leitores críticos externos à comissão.

Nos dias 20 e 21 de junho, o Consed e a Undime, que agora compõem o comitê gestor da BNCC, organizaram evento de formação em Brasília para que equipes estaduais compreendessem como o processo se deu até o momento e possam dar continuidade a ele nos seminários estaduais, que serão realizados até agosto e que indicarão melhorias para a terceira versão. Em meio às discussões recentes sobre a Base, as duas entidades se posicionaram contra a proposta de que o documento da BNCC passe pelo Congresso Nacional. 

Paralisia

Em 2016, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – que distribui livros didáticos para as escolas públicas de educação básica – completa 30 anos. Nesse período, as obras passaram a contar com avaliação pedagógica de universidades, incluindo a UFMG, com a finalidade de garantir que os livros utilizados nas salas de aula não contenham problemas conceituais ou técnicos que comprometam a qualidade da educação. O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido desde 1997, é a principal ação para que escolas públicas construam e enriqueçam seus acervos de literatura. Esses programas – que já fizeram do MEC recordista mundial de aquisição de livros – estão paralisados, situação que levou professores e pesquisadores a criar o movimento S.O.S. PNLD e PNBE.

O risco mais imediato diz respeito à chegada dos livros didáticos às escolas públicas no ano letivo de 2017. “O PNLD envolve processos técnico e pedagógico rigorosos. As universidades se empenharam ao máximo para entregar o resultado da avaliação pedagógica, e não houve por parte do MEC o cumprimento da divulgação das obras. Diante disso, as escolas não podem escolher os livros que querem receber, o que compromete a compra e a distribuição pelo FNDE para o ano que vem”, explica a professora da FaE Francisca Maciel, coordenadora institucional do projeto Gestão das Comissões Técnicas do PNLD e do PNBE. A pesquisadora destaca que, em longo prazo, a situação tende a piorar. “A desconstrução do PNLD, como processo regular de avaliação e compra de obras escolhidas pelo professor, pode levar o país à mesma condição de décadas atrás, época em que professores ficavam muito vulneráveis às estratégias de ‘sedução’ das editoras”, alerta Francisca Maciel.

No que se refere ao PNBE, a preocupação se dá em virtude da não divulgação do resultado da última avaliação, o que sinaliza, para Francisca, que não há comprometimento do governo federal em adquirir e distribuir as obras de literatura nas escolas. Ela também manifesta preocupação com a ausência de editais de responsabilidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), como o PNLD do Campo, o PNLD-EJA e o PNBE Temático.

*Jornalista do Ceale/FaE

Vicente Cardoso Júnior*