Boletim

Nº 1945 - Ano 42 - 19.06.2016

Senhora das águas

Olhos oblíquos

Nova espécie de serpente aquática encontrada em Minas Gerais é descrita por pesquisadores do ICBA

Henrique com um espécime morto da serpente: características singulares
Henrique com um espécime morto da serpente: características singulares Foca Lisboa

Equipe do ICB acaba de descrever uma nova espécie de serpente aquática, a Helicops nentur, que habita regiões de Minas Gerais. Relatada no artigo A new species of Helicops (Serpentes: Dipsadidae: Hydropsini) from southeastern Brazil, a nova espécie se diferencia de outras do gênero Helicops em vários aspectos morfológicos: possui 17 fileiras de escamas dorsais no meio do corpo, 111 a 117 escudos ventrais, 41 a 56 escudos subcaudais e alguns detalhes específicos na anatomia do hemipênis (o órgão copulatório do macho).

O trabalho de dois anos foi coordenado pelo estudante de doutorado Henrique Caldeira Costa, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Zoologia. Ainda na graduação, quando cursava Ciências Biológicas na Universidade Federal de Viçosa (UFV), o pesquisador decidiu apresentar, como trabalho de conclusão de curso, uma lista das espécies de serpentes de Viçosa. Ao analisar exemplares do acervo do Museu de Zoologia da UFV (MZUFV), Caldeira deparou com uma cobra cujas características não coincidiam com as das já conhecidas. “Além desse exemplar, a coleção do MZUFV possuía outro, procedente de Jaíba, no Norte de Minas. Na época, não consegui identificar a espécie, e isso me obrigou a declará-la como ‘indeterminada’”, conta o pesquisador.

Em 2012, o amigo Diego Santana, hoje professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), o procurou, depois de encontrar, em Muriaé, na Zona da Mata mineira, outro espécime que acreditava ser o mesmo da espécie declarada como indeterminada em seu trabalho de graduação. Em 2013, mais um exemplar foi encontrado pelo estudante de graduação em Ciências Biológicas do ICB Fernando Leal, em São José da Safira, no Vale do Rio Doce, e preservado na coleção de répteis do Centro de Coleções Taxonômicas da UFMG. No ano seguinte, quando ingressou no doutorado, Henrique Caldeira constatou que a coleção contava ainda com outro exemplar da serpente, encontrado em 1999 no campus Pampulha. Naquele momento, ele percebeu que já dispunha de indivíduos suficientes para uma pesquisa que confirmasse, genética e morfologicamente, o ineditismo da espécie. 

“Do exemplar encontrado em Muriaé, extraímos material para análise genética que nos ajudou a comprovar que se tratava, de fato, de uma espécie nova. O que define uma espécie como nova é a presença, em determinados indivíduos, de características morfológicas e genéticas ainda não observadas em qualquer outra espécie conhecida. Conseguimos atestar isso com a Helicops nentur”, afirma Costa.

Além de Henrique Caldeira, participaram da pesquisa o professor Paulo Christiano de Anchietta Garcia, o aluno de graduação do ICB Fernando Leal, o professor Diego Santana, da UFMS, e o estudante de pós-graduação da mesma instituição Ricardo Koroiva, que realizaram a análise genética do animal. O grupo acredita que a espécie habita principalmente regiões da Mata Atlântica e se alimenta de larvas de anfíbios, girinos e pequenos peixes.

“É uma descoberta interessante, porque o Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo; são quase 400 espécies de serpentes. Após a descrição de uma espécie nova, além da análise da formação óssea e do funcionamento dos órgãos do animal, podem ser realizados estudos sobre venenos para produzir fármacos e medicamentos. A taxonomia, que é o trabalho de classificação de espécies, é a base de tudo que será pesquisado posteriormente”, afirma o doutorando.

As serpentes do gênero Helicops formavam um grupo que contava com 16 espécies distribuídas pela América do Sul. A Helicops nentur é a décima sétima espécie descrita pertencente ao gênero. 

Origem do nome

Henrique Caldeira Costa conta que o nome científico da nova serpente tem duas origens. O primeiro nome, Helicops, de origem grega (ελιχωψ), foi cunhado pelo pesquisador alemão Johann Wagler, em 1828. Foi escolhido porque significa “olhos em abóbada”, característica morfológica marcante na nova espécie descrita, que apresenta os olhos posicionados obliquamente. Segundo o pesquisador, essa característica “possibilita que a serpente fique submersa na água com os olhos para fora”.

Já o nome nentur significa “senhor das águas” em quenya, língua criada pelo escritor J.R.R. Tolkien, autor da obra O senhor dos anéis. Além de descobridores de serpentes, Henrique Caldeira e Diego Santana são fãs dos livros de Tolkien.

Artigo: A new species of Helicops (Serpentes: Dipsadidae: Hydropsini) from southeastern Brazil

Autores: Henrique C. Costa, Diego J. Santana, Fernando Leal, Ricardo Koroiva e Paulo C.A. Garcia.

Publicado na revista Herpetologica em maio de 2016 e disponível em http://www.bioone.org/doi/full...

Luana Macieira