Ver o invisível

FESTA DO OLHAR

O binômio visibilidade/invisibilidade é o tema da 11ª edição do Festival de Verão, que será realizada de 20 a 23 deste mês

No livro O que vemos, o que nos olha, Georges Didi-Huberman afirma: “o ato de ver só se manifesta ao abrir-se em dois”. Com esse argumento, o filósofo e historiador francês sugere que a visão é um sentido que só pode ser experimentado por meio de uma relação estabelecida entre quem olha e quem é visto. “O que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha”, escreve.

Sob a inspiração dessa “inelutável cisão do ver”, a UFMG realiza, de 20 a 23 de fevereiro, o seu 11º Festival de Verão. Ao escolher o tema Universos (in)visíveis, os curadores do evento põem em discussão o binômio visibilidade/invisibilidade e chamam atenção para aspectos da realidade que, mesmo ao alcance dos olhos, parecem invisíveis, dada a dificuldade em estabelecer com eles uma espécie de “olhar em partilha” a que Didi-Huberman se refere.

Em razão da temática, a programação do evento ensejará discussões sobre questões de gênero – como o machismo, o sexismo e a homofobia – e religiosas, como o preconceito em relação a credos de matrizes africanas. Também serão debatidos temas como o racismo e os direitos das populações de rua, entre outros que se submetem ao binômio visibilidade/invisibilidade.

“O tema desta edição traz uma proposta relevante para pensarmos sobre a produção do conhecimento na contemporaneidade – questão que nos é muito cara. Ao nos levar a refletir sobre as formas de visibilidade e invisibilidade com as quais nos deparamos, estimula a reflexão sobre as limitações desses conceitos ao mesmo tempo que torna visíveis grupos, causas, questões e manifestações que nem sempre recebem da sociedade a devida atenção”, afirma a vice-reitora Sandra Goulart Almeida. 

Para ela, a 11ª edição do Festival se reveste de caráter especial, pois ocorre no ano em que a Universidade completa nove décadas de fundação. “Sem dúvida, é mais um presente que a UFMG oferece para a população belo-horizontina, principalmente se considerarmos que as questões postas em discussão são essenciais para a própria identidade da cidade”, acrescenta a vice-reitora. 

 “Trata-se de um mote muito instigante, que evidencia a

questão da percepção e dá margem a muita criatividade”, sustenta a professora Leda Maria Martins, diretora de Ação Cultural da UFMG. A DAC  é o órgão responsável pela realização do evento. “Por meio desse tema, é possível pensar questões caras à arte contemporânea, como a presença e a ausência, o dito e o não dito, o visível e o invisível, mas não em um sentido de oposição, e sim de simultaneidade. Aqui, estamos falando do que está e não está simultaneamente: aquilo que, de alguma forma, se faz transparente aos nossos olhos, sem se revelar”, diz Leda.

O coordenador geral desta edição, professor Juarez Guimarães Dias, do Departamento de Comunicação da Fafich, explica que esse eixo temático nasceu de conversas sobre a própria condição de invisibilidade que a Universidade, não raro, assume em relação à cidade, ainda que faça parte dela. “Várias pessoas não conhecem a Universidade, nunca foram ao campus. A partir daí, o tema se expandiu para as tantas realidades que não são tão visíveis como deveriam ser. E a própria vida social treina o nosso olhar para enxergar algumas coisas e não outras”, explica Juarez Dias.

Palestras

A professora Denise Pedron, diretora adjunta de Ação Cultural, destaca, no contexto da programação, a organização do ciclo de palestras, inspirada na bem-sucedida experiência de 2016. “Na edição do ano passado, recuperamos a ideia de realizar um ciclo de palestras, mas à época não tínhamos certeza se ele ia funcionar bem no contexto do Festival. E a verdade é que funcionou muito bem. Tivemos um público expressivo, por isso seguimos com a proposta neste ano”, diz.

“Teremos especialmente palestras relacionadas às áreas cultural, social e humanista, mas também haverá outras de viés científico, que atraem bastante público”, lembra Denise. Entre os temas tratados nessas atividades, estarão a tradição do Reinado e das matrizes religiosas africanas a que essa tradição remonta, a tríade dengue-zika-chikungunya, a exclusão sanitária das populações rurais e a cultura das periferias brasileiras. 

As palestras também trarão “exemplos de falas afirmativas do sujeito mulher-negra em suas construções do poder-dizer” e o modo de funcionamento das redes sociais em seus “bastidores”, como explica a escritora, professora e pesquisadora Conceição Evaristo na sinopse de sua comunicação. Em outra apresentação, a professora Joana Ziller, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, vai explicar, entre outras coisas, como os algoritmos provocam o silenciamento de certas narrativas por outras.

Performance Invisibilidade social, de Felipe Soares, vai se alternar entre os três equipamentos culturais que sediam o evento
Performance Invisibilidade social, de Felipe Soares, vai se alternar entre os três equipamentos culturais que sediam o evento Ramon Brant

Espetáculos e oficinas

Neste ano, serão realizadas nove oficinas de iniciação, cinco palestras e uma série de eventos culturais gratuitos no âmbito do Festival. Apenas as oficinas são pagas

(R$ 20 cada) e demandam inscrições. As demais atividades são de entrada e classificação etária livres, com exceção do espetáculo teatral #Cortiço, cuja classificação é 12 anos. A participação nas atividades está limitada à capacidade dos seus espaços de realização.

Em #Cortiço, 15 atores tratam cenicamente de temáticas sociais, como a homofobia, o preconceito racial e a violência contra a mulher. O espetáculo será encenado nos dias 21 e 22, às 19h, no Centro Cultural. Além da peça, a programação cultural conta com shows, performances e exposições. No fim da tarde do dia 23, o Conservatório receberá o bloco carnavalesco Angola Janga, que vai animar a festa de encerramento do evento.

As atividades serão distribuídas entre os três principais equipamentos culturais da Universidade, todos na região Centro-sul de Belo Horizonte: o Centro Cultural, o Conservatório e o Espaço do Conhecimento. Haverá oficinas de dança, canto, teatro, culinária, criação literária, entre outros temas que traduzem a diversidade de possibilidades estimuladas pelo tema desta edição. 

Na oficina A visão dos invisíveis, por exemplo, serão distribuídas máquinas fotográficas a moradores de rua para que registrem o modo como enxergam e se relacionam com a cidade. Na oficina Arte narrativa na construção da própria história, os participantes vão aprender a contar a história da própria vida de forma a prender a atenção do ouvinte, por meio de uma “tomada de consciência da jornada da vida como a jornada do herói”, conforme se afirma na sinopse da atividade.

Participante de atividade em comunidade xakriabá, no Norte de Minas: oficina no Festival de Verão envolverá moradores de rua de Belo Horizonte
Participante de atividade em comunidade xakriabá, no Norte de Minas: oficina no Festival de Verão envolverá moradores de rua de Belo Horizonte Acervo da oficina

“As oficinas traduzirão toda a potencialidade do tema que escolhemos. Teremos um Festival enxuto, leve e rico”, afirma Leda Maria Martins. Outro exemplo dessa potencialidade é a oficina Biodiversidade evanescente em Minas: epicentro de um terremoto ambiental, em que os participantes serão levados à Serra do Cipó para investigar o desaparecimento da biodiversidade sob uma perspectiva geográfica. 

“A oficina vai proporcionar uma imersão em um bioma pouco alterado e com uma biodiversidade que, infelizmente, está desaparecendo do país”, conta o professor Bernardo Machado Gontijo, diretor da Estação Ecológica da UFMG, que vai ministrar a atividade. “Os participantes poderão conhecer esse bioma e essa realidade. A intenção é que eles reconheçam o processo em curso de destruição da natureza”, explica. A oficina será ministrada em dois dias de caminhada, com pernoite em um camping.

Para todos

A exemplo das edições anteriores do evento, a curadoria das ­oficinas do Festival reservou vagas para alunos assistidos pela UFMG nos níveis I, II ou III, com isenção da taxa de inscrição. Apesar de neste ano não ter havido inscrição prévia para pessoas que necessitam de recursos extras de acessibilidade, a organização do evento buscará oferecer esses recursos de acordo com o ­surgimento de demandas dos participantes.

Endereços

Centro Cultural: Avenida Santos Dumont, 174, Centro

Conservatório: Avenida Afonso Pena, 1.534, Centro

Espaço do Conhecimento: Praça da Liberdade, 700, Savassi

Informações e notícias

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Ewerton Martins Ribeiro