Pesquisa e Inovação

Azeite da Mantiqueira: frutado, amargo e picante na medida

Pesquisa da Faculdade de Farmácia propõe protocolos para garantir qualidade do produto que sai das montanhas entre Minas, São Paulo e Rio de Janeiro

Cultivo de oliveiras na Serra da Mantiqueira: produção de azeites extravirgens de altíssima qualidade
Oliveiras da Serra da Mantiqueira: produção de azeites extravirgens de altíssima qualidade Divulgação / Epamig

Ele possui propriedades anti-inflamatórias, pode auxiliar na prevenção de doenças cardíacas e diabetes, faz bem para os ossos e ameniza os sintomas de artrite reumatoide. Essas são algumas das propriedades já conhecidas do azeite de oliva, um suco natural da azeitona usado no preparo e no acompanhamento de alimentos. Espanha, Itália e Grécia produzem cerca de 70% de todo o azeite consumido no mundo, e uma região do Brasil começa a se destacar nesse cenário: a Serra da Mantiqueira, localizada na região em que se encontram os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

Entender como as variações das etapas do processo de produção do azeite podem interferir nas características e na qualidade do produto final é o objetivo da pesquisa de Amanda Neris dos Santos, engenheira de alimentos e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos da Faculdade de Farmácia da UFMG. Ela acaba de publicar, com outros dois pesquisadores, o artigo Sensory variations in olive oils from the Arbequina variety elaborated with changes in fruit selection and process, em que investiga o impacto das alterações no processo de elaboração do azeite sobre as percepções sensoriais do produto e o índice de qualidade.

Para chegar aos resultados expostos no artigo, Amanda Neris elaborou 12 processos diferentes para obtenção do azeite de oliva, testando três graus de maturação das azeitonas e quatro tempos de batimento em uma das etapas do processo. A azeitona escolhida é da variedade Arbequina, típica da Espanha, mas que se adaptou bem a microclimas brasileiros, como o da Serra da Mantiqueira. “Esse artigo teve o objetivo de identificar as correspondências das alterações sensoriais no azeite, que são aquelas que a pessoa percebe ao consumir o produto – frutado, amargor e picância –, com os protocolos de produção. Testamos três graus de maturação e quatro tempos de batimento das massas das azeitonas”, explica.

Segundo Amanda, os atributos de frutado, amargor e picância, além de serem mais facilmente perceptíveis pelo consumidor, ajudam a definir a qualidade do azeite de oliva. “Um produto de qualidade é avaliado sensorialmente por essas três características e precisa ser obrigatoriamente frutado para ser considerado extravirgem. Alterações no processo de extração do óleo das azeitonas podem melhorar a experiência das percepções sensoriais do azeite”, afirma a pesquisadora.

Análises e testes com ‘sommeliers’
Amanda explica que os protocolos de produção podem orientar na elaboração de um azeite de melhor qualidade. Segundo ela, existem equipamentos capazes de identificar as moléculas presentes no azeite que são responsáveis por seu teor frutado, de picância, amargor e acidez. “Realizamos testes físicos e químicos como acidez, índice de peróxidos e absorvância no ultravioleta. Essas avaliações foram seguidas pelo teste de painel, que é uma análise sensorial feita por 12 pessoas treinadas para essa finalidade. Esses testes possibilitam que o azeite seja classificado como virgem ou extravirgem”, diz a pesquisadora.

O grupo responsável pelos testes sensoriais identificou os atributos das 12 amostras, classificando a intensidade com a qual eles eram percebidos numa escala de 0 a 10. Ao fim do processo, foi possível identificar os tempos de maturação e de batimento das azeitonas responsáveis por conferir certas características ao produto. 

“Suponhamos que a azeitona de um produtor esteja muito madura, pois já passou o momento da colheita. Agora, conseguimos dizer a esse produtor por quanto tempo ele pode bater essa pasta de azeitonas durante o processo de produção para que ele consiga extrair o que o fruto tem de melhor. Aprendemos a associar o tempo de colheita e o tempo de batimento para obter um azeite de qualidade. Não existe uma regra geral, pois cada azeite tem suas características, mas podemos oferecer um direcionamento para que o produtor saiba o que fazer em cada situação”, revela Amanda Neris Santos. 

Amanda: proximidade entre pesquisadores e produtores de oliveiras permite a elaboração de protocolos que buscam mais qualidade dos produtos
Amanda: proximidade entre pesquisadores e produtores de oliveiras favorece a elaboração de protocolos Arquivo pessoal

Contato direto com os produtores
Os resultados dos testes publicados no artigo serão levados aos produtores da Serra da Mantiqueira. Amanda Neris comenta que os produtores de azeite da região são, em geral, pessoas que decidiram mudar de profissão para se dedicarem ao cultivo das oliveiras. “Elas têm muito conhecimento acadêmico, são muito engajadas e buscam o vínculo com a universidade e com o conhecimento que a ciência pode oferecer."

No Brasil, o cultivo das oliveiras ocorre nas microrregiões de clima temperado, geralmente em altas altitudes. As árvores necessitam de temperaturas abaixo de 12º C por pelo menos 200 horas no ano. De acordo com Amanda, os produtores dessas regiões processam azeites de qualidade superior, premiados em concursos internacionais.

“Os produtores querem fazer os melhores azeites e é importante que eles saibam o que fazer durante as etapas do processo para que o consumidor tenha a melhor experiência sensorial. Esse tipo de entendimento já é muito comum no universo dos vinhos, mas agora o público do azeite está começando a perceber essas particularidades. Nosso estudo oferece aos consumidores acesso a um azeite de qualidade superior com base nas alterações que o processo pode oferecer", sustenta a doutoranda da Faculdade de Farmácia.

Amanda Neris informa que o próximo passo do estudo será a análise das alterações do tempo de decantação do processo de produção do azeite de oliva. “Depois de finalizar o artigo, surgiu o questionamento sobre o tempo adequado para decantar o azeite antes de envasar, o que possibilitaria conhecer o tempo mais adequado para a evolução e a manutenção das melhores características sensoriais. Com os resultados da pesquisa, o produtor de azeite da Serra da Mantiqueira saberá o que esperar de acordo com o protocolo que decidir usar no seu processo."

Oliveiras: cultivo exige temperaturas abaixo de 12º C por pelo menos 200 horas no ano
Oliveiras: cultivo exige temperaturas abaixo de 12º C por pelo menos 200 horas no ano Arquivo pessoal


Dos moinhos de pedra à batedeira 

O processo de produção do azeite de oliva tem início com a colheita das azeitonas das oliveiras, árvores que atingem o auge de produção entre 10 e 35 anos de idade. Depois da colheita, as azeitonas são lavadas e seguem para o processo de moagem, que tem início com o descarte das folhas e galhos. As azeitonas são trituradas, dando origem a uma pasta oleosa.

O próximo passo é a extração do azeite, feita por meio de processos físicos e de forma natural, sem o uso de conservantes ou produtos químicos. Na produção ancestral mediterrânea, essa etapa era feita em moinhos de pedra. Atualmente, o azeite costuma ser extraído por meio de processos mais modernos, com equipamentos sofisticados. A pasta oleosa é posta em uma espécie de batedeira. Em seguida, o óleo e a água são separados em uma centrífuga. A água é descartada, e esse óleo de oliva é considerado virgem.

No fim do processo, o azeite é classificado como extravirgem, virgem ou lampante. Este último, considerado impróprio para o consumo, recebe esse nome porque era usado para acender lamparinas. O tipo extravirgem é considerado o de melhor qualidade, porque não apresenta defeitos sensoriais, tem acidez máxima de 0,8% e possibilita a percepção do frutado no aroma. O azeite tipo virgem tem acidez entre 0,8% e 2,2% e pode apresentar defeitos no aroma e no paladar.

Artigo: Sensory variations in olive oils from the Arbequina variety elaborated with changes in fruit selection and process
Autores: Amanda Neris dos Santos, Luiz Fernando de Oliveira da Silva e Camila Argenta Fante
Publicado na revista Food Analytical Methods em 13 de março de 2021

Luana Macieira