Chico Soares, expoente da avaliação educacional, é o novo emérito da UFMG
Compromisso institucional, empatia e trajetória acadêmica diversificada foram destacados na cerimônia que homenageou o professor
Já no fim do seu discurso, José Francisco Soares, novo professor emérito da UFMG, confidenciou: ao ser chamado, há alguns anos, para assinar o documento de aposentadoria, ele aceitou de imediato, pois “sentia certa urgência”. No entanto, assim que a servidora indicou o local da assinatura, Soares desabou: “Chorei a ponto de molhar as páginas do processo, e a dificuldade de assinar era tanta que ela ponderou se não era o caso de adiar a assinatura. Era a tristeza de deixar a UFMG".
Anos depois, Chico Soares, ou Chico da Estatística, como é chamado pelos mais próximos, voltou a chorar. “Mas agora é de alegria. Pois estou de volta. Posso dizer, posso mesmo gritar, para que todos saibam. Sou da UFMG”, disse ele, que, cercado de amigos, familiares, ex-alunos e colegas de trabalho recebeu, na noite desta segunda-feira, dia 19, em cerimônia no CAD 3, o título de professor emérito da UFMG.
Emocionado em vários momentos do seu pronunciamento, o novo emérito fez um balanço de sua vasta experiência na UFMG. Egresso do Colégio Universitário, entrou no ICEx em 1970 como aluno do curso de Matemática. Na ocasião foi recebido pelo então diretor, Francisco Magalhães Gomes. “Buscávamos uma carreira na ciência. Queríamos através dela ajudar na construção de um país mais próspero, mais justo. O tempo, no entanto, era do arbítrio”.
Chico Soares destacou os professores que antes dele foram agraciados com o título de emérito. “Líderes sempre prontos para representar e defender a UFMG, o que foi necessário em vários momentos de suas trajetórias. Entro nesta constelação, pedindo licença”, afirmou. E dirigiu uma deferência especial ao Departamento de Estatística, que, segundo ele, enfrentou condições muito adversas para sua consolidação. “Para isso, foi fundamental a criação do curso de graduação em estatística, uma decisão corajosa do professor Antônio Fabiano de Paiva. Foi um gesto considerado precipitado. As análises frias diziam que a UFMG não tinha condições de atender às demandas do curso, o que obrigou os docentes do Departamento recém-criado a irem além da mera aplicação de técnicas elementares, do uso dos manuais e apostilas”, rememorou.
Orgulhoso, o novo emérito lembrou sua contribuição para a consolidação do campus Pampulha a partir dos anos 1980. Como membro do Conselho Universitário, ele foi relator e “defensor ardoroso” da resolução que vinculou a venda do patrimônio da UFMG no bairro Santo Agostinho apenas à construção de unidades no campus. “Outras demandas eram justas, mas naquele momento a consolidação da Universidade exigia um campus”, disse ele.
Guinada para a educação
Um capítulo à parte na trajetória acadêmica do professor José Francisco Soares é a sua imersão no universo da avaliação educacional, o que, segundo ele, “foi fruto do acaso e da necessidade”. Em seu doutorado, ele estudou técnicas estatísticas na pesquisa clínica que ajudavam também na produção de indicadores educacionais. “A ciência se faz com medidas dos construtos definidores de cada área. Na educação, aos poucos se fixou o conceito de que o direito à educação, que hoje é o direito de aprender, deve ser verificado através de indicadores de aprendizagem”, disse ele, que fundou o Laboratório de Medidas Educacionais do Departamento de Estatística e depois passou a atuar no Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game) ao lado de pesquisadores da área de educação.
José Francisco aprofundou seu conhecimento na área de avaliação de aprendizagem com um pós-doutorado em métodos quantitativos em educação na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, o que contribuiu para credenciá-lo a assumir a presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), cargo que ocupou de fevereiro de 2014 a fevereiro de 2016. “Com alívio, constato que já não sou mais responsável pelo Enem”, brincou o emérito, antes de mencionar o atual cenário político. Ele lembrou que o governo eleito tem uma visão muito diferente da que prevalece na Universidade e que será preciso buscar explicações sociais que levaram a essa “mudança tsunâmica no perfil dos eleitos”. Por outro lado, destacou que instituições como a Universidade terão de ser vigilantes para garantir a democracia. “Se convocado para isso, direi em alta voz: presente”, prontificou-se.
Capacidade de ouvir
Encarregado de saudar o novo emérito, o professor Renato Assunção, colega do Departamento de Estatística, contou que conheceu José Francisco Soares em 1982, quando vivia um momento de desilusão intelectual com a matemática. Por sugestão da professora Eliana Farias, Assunção foi se aconselhar com o então doutor recém-chegado da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.
“O que aconteceu comigo, aconteceu com muitas outras pessoas que cruzaram caminhos com o do Chico. Ele tem uma imensa empatia que se expressa na capacidade de ouvir, de genuinamente preocupar-se e orientar para o bem. No primeiro encontro, ele exercitou um dos seus talentos natos: convenceu-me do que era melhor para mim tendo em vista minhas habilidades e interesses. E eu, como vários outros, fomos convencidos de que o futuro estava na estatística, a ciência dos dados, e que esse futuro passava pelo campus da UFMG, pelo Departamento de Estatística”, registrou o professor.
Assunção enalteceu o empenho de Chico Soares em erguer ambientes institucionais. "Onde quer que você olhasse, lá estava ele dedicando seu tempo e inteligência à construção das instituições”. E lembrou que em todos os lugares, Chico ouvia as ideias divergentes e propunha uma solução: “Não simplesmente uma acomodação, mas uma solução que apontasse na direção da decisão mais racional, mas eficiente com relação aos objetivos mais elevados da universidade: a pesquisa científica e o ensino", relatou o colega e amigo.
O trabalho de Chico Soares também foi reverenciado pelo professor Antônio Flávio de Alcântara, diretor do ICEx, e pela chefe do Departamento de Estatística, Glaura Franco, também amiga e ex-aluna do homenageado. “Chico tem uma grande capacidade de enxergar além do lugar comum. O prestígio acadêmico de que desfruta o Departamento de Estatística deve-se, em grande parte, a ele”, reconheceu Glaura.
Legado
Na saudação ao professor Chico Soares, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida destacou sua “trajetória pessoal, acadêmica e institucional complexa, rica, tematicamente diversa, que claramente leva ao limite a flexibilidade pessoal, quando chamado a contribuir para as grandes agendas institucionais e nacionais”.
A reitora também enalteceu a dedicação do novo emérito a um dos “valores fundamentais” da Universidade, o direito à educação e ao conhecimento como requisitos para a liberdade e a igualdade. “Poucos entre nós têm ou terão o privilégio de olhar para trás e vislumbrar tamanho legado”.
A exemplo de outras solenidades oficiais realizadas recentemente na UFMG, Sandra Goulart não deixou de fazer referência ao atual momento de turbulência vivido pelo país e buscou inspiração reversa em Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa. Angustiado, o jagunço desejava todos os pastos demarcados e reclamava deste mundo que, em sua visão, era “muito misturado”. “Que este mundo misturado, não demarcado, nos sirva de inspiração para o diálogo sempre produtivo, a divergência respeitosa e o mais profundo compromisso com a nossa instituição, cujo ethos preservará sempre a unidade na diversidade que lhe é constitutiva, como sempre defendeu o nosso homenageado”, concluiu a reitora da UFMG.
Trajetória
José Francisco Soares é doutor em Estatística pela Universidade de Wisconsin- Madison, com residência pós-doutoral em Educação pela Universidade de Michigan. É professor titular aposentado da UFMG, onde continua suas atividades de pesquisa no Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game). Foi o primeiro presidente eleito da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave).
Em 2012, Chico Soares recebeu o prêmio Bünge pelas suas contribuições na área de avaliação educacional. De fevereiro de 2014 a fevereiro de 2016, ele presidiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Atualmente, é membro do Conselho Nacional de Educação. Na UFMG, ocupou cargos de gestão, como os de diretor do Instituto de Ciências Exatas e de pró-reitor de Pesquisa.