Condições socioeconômicas explicam diferença de mortalidade por covid-19 entre hospitais
Estudo da Faculdade de Medicina revela que experiência dos profissionais também contribui para a variação no número de óbitos
Hospitais privados, com médicos e enfermeiros mais experientes, e localizados em cidades com Produto Interno Bruto (PIB) per capita acima da média nacional registraram as menores taxas de mortalidade hospitalar para covid-19, revela estudo multicêntrico desenvolvido pela Faculdade de Medicina da UFMG, em parceria com o Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (Iats). Os resultados da pesquisa constam de preprint publicado em dezembro.
Os melhores resultados foram observados em UTIs com turno de trabalho composto de mais de 50% de intensivistas já titulados, com predominância de especialistas com mais de dois anos de experiência, com menor realocação de profissionais de outros setores e menor proporção de médicos residentes.
Outro ponto que chamou a atenção dos pesquisadores foi a associação do PIB per capita da região com a letalidade da doença, independentemente de outros aspectos regionais – como o fato de o hospital ser localizado na capital ou interior. As instituições com financiamento privado também foram associadas à menor mortalidade por covid-19 na comparação com as públicas e as de financiamento misto (SUS privado).
Durante análise de outra etapa do projeto – que abordou o perfil das pessoas internadas por covid-19 nas instituições estudadas –, os pesquisadores observaram uma grande diferença entre a mortalidade quando os hospitais eram comparados. A diferença chegou a variar de 9% a 48%. “Em parte, essa diferença pode ser explicada pelo perfil de pacientes, já que alguns hospitais recebem pessoas de maior risco, idade, entre outros fatores, mas quando ajustamos os dados para a proporção de risco na admissão, observamos que a experiência da equipe e fatores socioeconômicos ainda fizeram uma grande diferença na mortalidade da covid-19 intra-hospitalar”, afirma uma das autoras do estudo, a pesquisadora Maíra Viana Rego Souza e Silva, do Programa de Pós-graduação em Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina
Foram analisados 31 hospitais de cinco estados brasileiros (Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina), em coorte retrospectiva multicêntrica com 6.556 pacientes confirmados para covid-19 entre março e setembro de 2020. Os dados foram coletados por meio de registros hospitalares, formulários e bancos de dados abertos.
Modelos
Dois modelos estatísticos foram construídos pela equipe. O primeiro testou as características gerais do hospital (como número de leitos, volume de atendimentos e financiamento) e dados da cidade (como PIB per capita e número de leitos por habitantes). O segundo possibilitou a análise de fatores relacionados às UTIs, como recursos humanos, protocolos, carga de trabalho e experiência das equipes médicas e de enfermagem. Todas as análises foram ajustadas para a proporção de pacientes de alto risco na admissão.
Segundo o estudo, muitos hospitais tiveram dificuldades para conseguir mão de obra especializada para as enfermarias e UTIs durante a pandemia, o que forçou a realocação de profissionais de outros setores e formação de equipes menos experientes. “Os gestores devem investir em treinamento, suporte e supervisão de médicos e enfermeiros seniores para diminuir a mortalidade”, recomenda Maíra Viana.
A pesquisa se insere no projeto Registro hospitalar multicêntrico nacional de pacientes com covid-19, que reúne 37 instituições hospitalares de 17 cidades brasileiras, sob a coordenação da professora Milena Marcolino, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina. O estudo é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).