Dirigentes universitários defendem a educação pública e a democracia
Entidades científicas também manifestam preocupação com o futuro da ciência e da tecnologia brasileira
Reitoras e reitores de instituições federais de ensino superior têm manifestado preocupação com atos de violência e preconceito que atingem as comunidades universitárias e a sociedade brasileira durante a campanha eleitoral. Diante de um cenário polarizado, os dirigentes dessas instituições, que são as principais responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa no Brasil, mostram-se apreensivos em relação ao compromisso com os ideais democráticos e com o Estado de direito e a justiça e com o princípio da autonomia universitária. Dirigentes de associações científicas, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a da Academia Brasileira de Ciências (ABC), também externaram preocupação.
Para a reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart Almeida, o momento é de apreensão. “Estamos presenciando, de forma bastante acentuada, a emergência de práticas autoritárias, antidemocráticas, desidratadas da noção de justiça social e assentadas sobre calúnias e desrespeito a pessoas e instituições. Essa situação é preocupante, sobretudo para nós, da área de Educação, que temos o compromisso com a transformação de pessoas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, afirmou.
Em comunicado divulgado no Dia do Professor, a reitora Sandra Goulart destacou ainda que “neste momento decisivo para o país, a UFMG, instituição de excelência e relevância para a sociedade, que se ergue sobre os mais nobres pilares republicanos, não pode se furtar a defender a democracia”.
Na visão do professor João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no Brasil, “esboça-se um projeto ao mesmo tempo neoliberal e francamente autoritário, que traz à cena nacional os piores temores de eliminação definitiva das políticas de inclusão social já em processo de erosão nos últimos anos, de graves violações aos direitos humanos e de desrespeito generalizado e feroz à diversidade marcante que constitui o povo brasileiro, como de resto tantos outros povos contemporâneos”. A declaração foi dada durante a abertura do Congresso da UFBA 2018, na última sexta-feira, 19.
“Estamos em amplo movimento em defesa da Constituição Federal, a chamada Constituição Cidadã, e em defesa de todos os direitos que lutamos, garantimos e que desejamos que sejam preservados daqui para frente”, reforçou a professora Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), durante a abertura do Encontro em Defesa da Educação Pública, da Democracia e da Vida, evento que foi realizado em parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC).
O reitor da Universidade Federal de Alfenas, professor Sandro Amadeu Cerveira, destacou que a educação superior é fundamental para “garantir o direito dos jovens de entrar na universidade, mas também como um elemento estratégico para o desenvolvimento do país e para a redução das desigualdades sociais, que é uma questão fundamental no momento".
Por meio de nota, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) convidou “toda a sociedade e a comunidade acadêmica, em especial, a praticarem a reflexão sistemática, contextualizada, fundamentada para que a escolha eleitoral reafirme os valores da democracia, do diálogo, da ética em prol de uma sociedade que proporcione bem viver a todo o povo. Em harmonia com as instituições e representações da sociedade civil democrática, a Reitoria da instituição reitera a importância de interações e solidariedades a favor da garantia e do fortalecimento da democracia no Brasil, especialmente por meio da educação pública, gratuita, laica e comprometida com a ciência, a tecnologia, a cultura e a arte, pilares civilizatórios e condições para a existência de democracias vibrantes".
Entidades
A Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) externou, por meio de nota publicada no site da instituição, “firme repúdio à cultura do ódio e da violência, que ora ameaça a sociedade e as universidades públicas, por meio de constrangimentos, ameaças e agressões. Em particular, no espírito e na letra da Constituição Federal, são deploráveis os ataques motivados por racismo, homofobia e toda ordem de preconceito que atinja direitos e liberdades individuais, não devendo qualquer cidadão com responsabilidade pública lavar as mãos e alegar neutralidade diante dessas ações, nem dos discursos eivados de violência que as suscitam".
“Precisamos formar pessoas capazes de colaborar com pesquisas de ponta e responder aos desafios de uma sociedade do conhecimento. Nada disso pode ser realizado sem universidades fortes. Em países como o nosso, tampouco essa formação pode ser concebida sem incluir estudantes de diferentes perfis sociais. Por todas essas razões, precisamos manter o investimento público no ensino superior e na pesquisa científica. Na maioria dos países do mundo, essas áreas contam com bastante incentivo de organismos governamentais”, afirmou o presidente da SBPC, Ildeu Moreira, durante evento realizado no Museu do Amanhã.
“O Brasil construiu, ao longo dos últimos 60 anos, uma sólida infraestrutura de pesquisa em ciência e tecnologia. Nas últimas décadas, incentivou-se também a inovação por meio de políticas públicas que, embora ainda incipientes, apontavam na direção correta de construir uma perspectiva de futuro. Tudo isso está em risco com os atuais cortes no financiamento das universidades públicas, das agências de fomento e dos institutos de C&T”, acrescentou Tatiana Roque, coordenadora da campanha Conhecimento sem Cortes, que também participou do evento ao lado do presidente da SBPC.
Em nota, a Associação Brasileira de Ciências (ABC) se define como uma instituição suprapartidária, “mantendo há mais de 100 anos o foco de sua ação junto ao governo e à sociedade nas políticas públicas relacionadas à ciência, tecnologia, inovação e educação”. A entidade afirmou o compromisso com o debate democrático e explicitou que “tem seguidamente convidado todos os candidatos à Presidência, nas últimas quatro eleições pelo menos, para receber sugestões de políticas para a área de CTI&E”.