'Discussão sobre o uso da cannabis envolve posições ideológicas extremadas', avalia especialista
Em maio deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu a Cannabis sativa, nome científico da maconha, em sua relação de plantas medicinais. Apesar de a medida não alterar as regras para importação de medicamentos com canabidiol (CBD) e outros extratos da maconha e não permitir o cultivo da cannabis como planta medicinal, especialistas acreditam que se trata de um passo importante para a desmitificação do uso de extratos da planta em tratamento médicos.
Esse uso será tema da conferência Cannabis sativa: de produto psicoativo a medicamento regulado, que ocorre no dia 21 de julho, a partir das 10h30, em local a ser definido, como parte da programação da 69ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O Portal UFMG conversou com o professor Antônio Waldo Zuardi, do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em pesquisas que desvendam o potencial terapêutico da maconha, o professor vai apresentar as evidências científicas dos efeitos produzidos pelo uso recreativo crônico da cannabis e descrever os possíveis efeitos terapêuticos de componentes da planta.
Como este tema será trazido à reunião da SBPC?
Comecei a estudar o canabidiol durante minha tese de doutorado, defendida em 1980. Já existem vários grupos estudando o CBD, mas as discussões sobre a cannabis muitas vezes envolvem posições ideológicas extremadas, carentes de suporte científico. A apresentação das evidências científicas disponíveis na reunião da SBPC vai contribuir para melhorar essa discussão.
Quais benefícios a regulação da Cannabis sativa como medicamento poderia trazer para a sociedade?
O que deveria ser regulado como medicamento são os canabinoides e não a planta. Com os canabinoides isolados, poderemos ter um controle adequado de dose dos princípios ativos, o que é fundamental para a elaboração dos medicamentos.
O uso de extratos da Cannabis sativa para a produção de medicamentos já ocorre em vários países do mundo. O Brasil está atrasado com relação à legalização deste uso?
O principal componente psicoativo da maconha, o THC, foi registrado como medicamento nos Estados Unidos em 1981, para náusea e vômito em pacientes com câncer, submetidos à quimioterapia, e para a anorexia na aids e no câncer. Desde 2005, uma mistura do THC com o canabidiol, outro componente da maconha, tem sido liberada em mais de 20 países para a espasticidade da esclerose múltipla e para dores neuropáticas. Esse último uso foi recentemente autorizado pela Anvisa, o que é um grande avanço para o Brasil.
Para quais doenças o canabidiol já teve a sua eficácia comprovada?
Embora os efeitos terapêuticos do canabidiol venham sendo estudados para um amplo espectro de doenças, os ensaios clínicos controlados comprovando essas ações em pacientes envolvem, até o momento, apenas a epilepsia resistente, a esquizofrenia e a Doença de Parkinson.
O que diferencia a Cannabis sativa utilizada como produto psicoativo daquela que serve para a produção de medicamentos? Por que o uso de medicamentos com o canabidiol não produz os mesmos efeitos que o uso recreativo psicoativo?
Como medicamento, o ideal é utilizar os componentes isolados, uma vez que a planta possui mais de 80 canabinoides e alguns deles apresentam efeitos opostos, como é o caso do THC e do CBD. Os efeitos da planta dependem da concentração relativa desses canabinoides. Assim, uma amostra rica em THC vai produzir um efeito muito diferente da produzida por uma amostra rica em CBD. A concentração relativa desses canabinoides vai depender da parte da planta que está sendo fumada (flores, folhas ou galhos), do solo onde essa planta foi cultivada, entre outras variáveis. Dessa forma, os efeitos da maconha obtida na rua são muito pouco previsíveis, e ela não deve ser usada com finalidade terapêutica.