[Opinião] Em defesa do Jardim Zoológico de Belo Horizonte
Professores da UFMG sustentam que o processo de concessão aberto pela Prefeitura ameaça o tripé fundador da instituição: educação ambiental, pesquisa e conservação
Em 20 de agosto de 2022, a Prefeitura de Belo Horizonte lançou o edital 001/2022, da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica, que contempla a gestão, reforma, requalificação, manutenção e demais serviços associados do Jardim Zoológico, da Exposição Zoobotânica, do Aquário e do Parque Ecológico da Pampulha. O edital abriu uma consulta pública. Nós, autores deste texto, professores da UFMG, nos sentimos estimulados a contribuir por meio de documento que já se encontra em análise pela PBH. Nesta mensagem, desejamos partilhar nossas inquietações com outros cidadãos de Belo Horizonte.
Segundo a concepção contemporânea, zoológicos devem necessariamente sustentar-se sobre um tripé formado por educação ambiental, pesquisa e conservação. O entretenimento e lazer associados à exibição de animais surgem como função necessariamente subordinada ao tripé fundador.
Acreditamos que a concessão do Jardim Zoológico de Belo Horizonte (JZBH), tal como proposta na minuta do contrato e nos anexos disponibilizados pela PBH, transformaria o entretenimento em atividade prioritária, com prejuízo das atividades cruciais de educação ambiental, pesquisa e conservação da fauna e flora. A continuidade desse processo ameaçará irreversivelmente a vocação e a função social da instituição. Por isso, solicitamos o cancelamento do edital e sua reformulação.
A história do nosso zoológico é um exemplo dos rumos de muitas instituições na contemporaneidade. Inaugurado em 1959, sintonizou-se com os ideais de progresso e modernização de Belo Horizonte desde a criação do conjunto arquitetônico da Pampulha. O zoológico está associado a uma expectativa de espaços de entretenimento de uma urbe moderna e ao ideal de “cidade jardim".
Com o passar das décadas, os profissionais vinculados à instituição conferiram-lhe novos significados, transformando-a profundamente. De 1991 a 2017, a gestão do zoológico foi feita pela Fundação Zoobotânica (FZB), subordinada à Secretaria de Meio Ambiente. A preocupação com o bem-estar dos animais, o desenvolvimento de atividades educacionais para os visitantes (com destaque para alunos das escolas públicas), o estabelecimento de parcerias com instituições científicas (como a Escola de Veterinária da UFMG) e com vários programas nacionais e mundiais de conservação conferiram nova dinâmica ao zoo. Além das equipes de veterinários, biólogos, educadores e técnicos aprovados em concursos públicos, a atuação de um Conselho Curador deu à FZB as condições de investir na busca dos mais altos padrões projetados para os zoos no mundo. O Jardim Zoológico de Belo Horizonte viveu um período de conquistas e avanços. Essa situação mudou significativamente após o Decreto 16.684, de 2017. A FZB fundiu-se com a Fundação Municipal de Parques e Zoológicos, e a nova estrutura passou a abrigar 75 parques, cemitérios e centros de vivência agroecológica.
Essa brevíssima história do JZBH evidencia seu dinamismo e relevância para a capital e seus habitantes. A vocação atual do zoológico, fundamentada no tripé já citado, não nasceu com a sua fundação, mas foi construída com esforço e formação de competências. Nesse contexto, é essencial avaliar o possível impacto decorrente da concessão, tal como proposta pelo edital 001/2022.
É um equívoco tratar instituições destinadas ao bem público como equivalentes a shopping centers. Esse erro de origem sobre a vocação da instituição compromete a proposta de concessão.
Os documentos apresentados pela PBH abordam bem-estar animal e planejamento da coleção. Entretanto, também delineiam uma proposta de comercialização que afronta interesses públicos, como a formação ambiental de cidadãos, o oferecimento de lazer acessível a pessoas de baixa renda, o estímulo à pesquisa e ações de conservação da fauna e flora. É um cenário que desperta preocupação em todos que conhecem a complexidade da missão do JZBH.
A qualificação técnica exigida do licitante pela minuta do contrato é “de empreendimento turístico, comercial ou de lazer, tais como parques turísticos ou ambientais, arenas, estádios, hotéis, aeroportos, rodoviárias e shoppings”. É um equívoco tratar instituições destinadas ao bem público como equivalentes a shopping centers. Esse erro de origem sobre a vocação da instituição compromete a proposta de concessão.
Há previsão de atividades educativas, mas é preocupante que escolas públicas não sejam mencionadas nenhuma vez, dada a relevância histórica das atividades focadas nesses estudantes, que têm direito a entrada gratuita.
O Plano de Negócios Referencial prospecta novos valores para as entradas no Jardim Zoológico, no Aquário e no Jardim Botânico (respectivamente, R$50, R$30 e R$20, totalizando R$100). Atualmente, o ingresso inteiro para visita a esses três equipamentos custa R$14,65. Aos domingos, chega a R$20,60. O acesso às atrações será elitizado, e sabemos que o JZBH sempre foi local de lazer para famílias de baixa renda.
Não há dados sobre a destinação da equipe atual de veterinários, biólogos, educadores e botânicos. Esses profissionais têm experiência de décadas de dedicação, compromisso e competências específicas. A possível perda desse capital humano poria em risco o devido cuidado e o bem-estar dos animais que integram a coleção.
Embora a minuta do contrato preveja a continuidade dos projetos de conservação em curso, em parcerias com outras instituições, não há evidências concretas de comprometimento com a conservação.
A pesquisa também tem futuro incerto no Edital. Atualmente, a Escola de Veterinária da UFMG e outras instituições parceiras têm no zoológico um campo importantíssimo de investigação. Dessa interação surgiu relevante produção científica sobre saúde animal e questões sanitárias também importantes para os seres humanos. Para darmos apenas um exemplo, metade dos trabalhos científicos disponíveis no mundo sobre leishmaniose nos primatas neotropicais foi produzida com base em pesquisas realizadas no JZBH. Não há garantias da manutenção da abertura, transparência, independência e liberdade hoje oferecidas aos pesquisadores.
Defendemos a suspensão do edital 001/2022. Qualquer proposta de concessão deve considerar prioritariamente o atendimento ao interesse público. Pesquisa, educação ambiental e conservação são o tripé fundamental sobre o qual a visitação pública de coleção de animais silvestres se torna relevante como prática ética e formadora de cidadãos ambientalmente conscientes. Sem isso, a exposição de animais remete a um modelo de zoológico incompatível com os atuais padrões éticos de nossa civilização.
Regina Horta Duarte – Fafich
Renato de Lima Santos – Escola de Veterinária
Marcelo Carvalho – Escola de Veterinária
Érica Azevedo Costa – Escola de Veterinária
Fabíola Paes Leme – Escola de Veterinária
Marília Martins Melo – Escola de Veterinária
Rodrigo Otávio Silva – Escola de Veterinária