Fatos vão se impor aos discursos, afirma professor da Ciência Política
Em entrevista ao programa Conexões da Rádio UFMG Educativa, Felipe Nunes analisou discursos de lideranças nacionais durante a pandemia
O mundo, ou pelo menos quase todos os países que registraram casos de Covid-19, tem adotado, nas últimas semanas, medidas de isolamento social como forma de combater o avanço do novo coronavírus. Mais de cem países fecharam escolas, e praticamente todo o calendário esportivo mundial parou, incluindo as Olimpíadas de Tóquio. Mais de 2,6 bilhões de pessoas estão em isolamento, um terço da população mundial.
Nos últimos dias, os principais líderes mundiais fizeram discursos sobre a situação, entre eles o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Mas, de acordo com o professor e pesquisador Felipe Nunes, do Departamento de Ciência Política da UFMG, “os fatos vão se impor à percepção que as pessoas têm sobre esses discursos”.
Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, na última sexta-feira, 27, o professor analisou o impacto de alguns desses discursos. Para ele, alguns líderes políticos têm tido um desempenho superior no enfrentamento da crise. “É impressionante que, desde que a OMS declarou a pandemia, alguns políticos e lideranças nacionais tiveram aumento na percepção positiva de seus governos”, destacou, citando pesquisas feitas por órgão de consultoria internacional.
Esse é o caso da chanceler alemã, Angel Merkel, do presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. “Por outro lado, o primeiro-ministro japonês, Shinzō Abe, e o presidente Jair Bolsonaro têm sofrido queda de popularidade”, contrapõe.
Belicismo e nacionalismo
Discursos e declarações que se assemelham aos utilizados em momentos de conflito têm sido adotados por lideranças em todo o mundo. Palavras como guerra, combate, luta, entre outras, são frequentes nos textos lidos por autoridades políticas sobre o enfrentamento à pandemia. Para Felipe Nunes, o objetivo é a mobilização, evocando a figura de um “inimigo até mesmo imaginário para muitos”.
"Por meio de uma estratégia de comunicação como essa, é possível mobilizar mais as pessoas, colocá-las em alerta. O objetivo é chamar a atenção das pessoas para a gravidade, a relevância e a importância da crise do coronavírus. A maneira de fazer isso é declarando guerra a um inimigo invisível, que é externo ao conceito de nação, de Estado, que unifica as pessoas e as mobiliza", analisa.
O professor Felipe Nunes lembra ainda que discursos mais nacionalistas, que pregam a proteção aos valores familiares e tradicionais, têm ganhado repercussão muito grande. Segundo ele, a principal motivação para esse tipo de apelo é o medo.
"Há uma incerteza muito grande sobre tudo o que vai acontecer. A previsibilidade, neste momento, é muito baixa. Não se sabe ainda até quando a crise vai durar, quais serão as consequências reais, tanto do ponto de vista da saúde, quanto do ponto de vista econômico", afirmou. No entanto, para ele, “embora esses discursos pareçam ganhar relevância, o que vai prevalecer, no fim das contas, é a realidade", reforça.