Ministro do GSI dá aval para pesquisa de ouro em uma das áreas mais preservadas da Amazônia
Professor da UFMG destacou que a região da Cabeça do Cachorro reúne grupos indígenas que compõem um ‘sistema sociocultural, linguístico, que conecta esses povos em uma coisa só, em configuração única’
A autorização para o avanço de 7 novos projetos de exploração de ouro em uma das regiões mais preservadas da Amazônia tem gerado debate. O aval foi dado pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, no último domingo, 5. A área em questão é conhecida como Cabeça do Cachorro e fica no extremo noroeste do Amazonas, nas fronteiras com a Colômbia e com a Venezuela. A principal cidade da região, São Gabriel da Cachoeira, é considerada a mais indígena do Brasil atualmente.
A decisão do ministro foi anunciada poucos dias após a divulgação de imagens que mostram balsas de garimpo invadindo o rio Madeira e formando uma grande barreira. Os registros foram feitos pela ONG Greenpeace a 120 quilômetros da capital do Amazonas, Manaus, e causaram comoção internacional. Tanto a autorização de Augusto Heleno quanto a invasão do rio Madeira causam preocupação não apenas pelo risco ambiental, mas também pela ameaça às comunidades indígenas da região, que dependem da floresta e do rio para sustento próprio. Devido à grande presença indígena na área, o Ministério Público Federal no Amazonas comunicou que vai apurar as autorizações emitidas pelo general.
A invasão dos garimpeiros ilegais e seus impactos nas comunidades indígenas foi discutida no programa Conexões desta quinta, 9, pelo professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG e pesquisador da causa indígena, Rogério Duarte do Pateo. O docente explicou por que lhe causou surpresa uma decisão desse tipo justamente na Cabeça do Cachorro. “É uma região super particular porque tem uma diversidade muito grande, vários grupos indígenas diferentes que falam várias línguas diferentes e estão na mesma terra indígena e compõem uma espécie de um sistema sociocultural, linguístico, que conecta esses povos em uma coisa só ali dentro, que é uma configuração única no planeta. Não é só a questão ambiental, a questão da sociodiversidade nativa também é absolutamente singular nesse lugar. Então, é muito preocupante esse tipo de avanço ilegal sobre essas terras”, argumentou.
O professor fez um breve histórico do garimpo ilegal em terras indígenas, destacando a corrida pelo ouro no final dos anos 80. Atualmente, mesmo com terras demarcadas, a gestão Bolsonaro vem derrubando o aparato de proteção em uma omissão por ação e não por falta de recursos, afirmou o pesquisador. Para ele, sempre há pressão por extração nas áreas onde existe minério, mas quando o governo mantém o sistema de regulamentação funcionando essa pressão diminui, diferente do que acontece agora, com o executivo dando sinais de que não vai punir o garimpo ilegal. O docente questionou a competência do Gabinete de Segurança Institucional para autorizar projetos relacionados à mineração.
“Existe uma regulamentação de qual é o procedimento caso você queira extrair minério ou fazer pesquisa mineral em qualquer local e o GSI não opina nesse processo, ele cuida da segurança justamente. Acho difícil [que abra precedente para grandes empreendimentos], só se realmente a gente jogar no lixo o estado democrático de direito. Para uma autorização do GSI gerar um precedente tem que acabar com todo o resto do processo. E o Código de Mineração? E a Agência Nacional de Mineração? E a legislação ambiental? E os órgãos ambientais indigenistas? Tudo isso desaparece e aí quem decide a mineração no Brasil é o GSI?”, indagou o professor.
Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.
Produção: Carlos Ortega, sob orientação de Luiza Glória e Alessandra Dantas
Publicação: Alessandra Dantas