Na despedida de Cid Veloso, amigos destacam humildade, compromisso institucional e capacidade de conciliação
Leal, humilde, conciliador e comprometido foram alguns dos adjetivos usados por familiares, amigos e membros da comunidade universitária na despedida ao professor e médico Cid Veloso, reitor da UFMG na gestão 1986-1990. Veloso morreu ontem (sexta, 9), aos 79 anos, em consequência de uma hemorragia no abdômen, e foi velado neste sábado, no saguão do prédio da Reitoria, campus Pampulha. O corpo será cremado no fim da tarde.
Por meio de portaria, o reitor Jaime Ramírez decretou luto oficial de três dias na Universidade, a partir de hoje.
Ramírez reforçou depoimento dado ontem, logo após a notícia da morte, salientando que Cid Veloso foi uma das pessoas mais democráticas que conheceu. “Ainda como aluno, em sua gestão, estreei como integrante dos conselhos superiores da Universidade. E é marcante a lembrança da sua capacidade de ouvir as opiniões mais diversas. Foi um mestre”, disse o reitor.
Também presente na despedida, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que é professor licenciado da UFMG, destacou “a carreira acadêmica impecável, a atuação administrativa na Universidade e política na sociedade”. Segundo ele, a perda é motivo de tristeza, “especialmente no momento político atual, em que fará muita falta a força de sua trajetória como democrata”.
A vice-reitora Sandra Goulart Almeida lembrou que Cid Veloso era uma presença constante na UFMG. “Sua dedicação à Instituição tem sido uma inspiração para todos nós. É uma perda enorme. E é uma honra podermos nos despedir dele aqui na Reitoria.”
Cid Veloso, que deixa a viúva, professora Roseni Chompré, quatro filhos e três netos, se recuperava bem de uma cirurgia para extração de um cisto no pâncreas, quando apresentou trombose nas pernas. Foi necessário tomar um anticoagulante, que provavelmente levou à hemorragia na cavidade abdominal.
De acordo com o filho Marcelo, ser velado na UFMG foi um desejo de Cid Veloso. Ele recordou a lealdade e o carinho que o pai sempre demonstrou pela UFMG e pelas pessoas com quem conviveu. “Uma das principais características dele foi a responsabilidade com a qual tratava a saúde e educação”, afirmou Marcelo, lembrando que a vida de Cid se dividia entre a família e o trabalho – que incluía a medicina e a UFMG –, mas havia espaço para a afeição pelo rock’n’roll: colecionava discos e conhecia a fundo a história do gênero.
'Justo e agregador'
Cid Veloso clinicou até poucos anos atrás, e um de seus pacientes foi o professor Francisco César de Sá Barreto, reitor em 1998-2002. “Ele foi gentil como médico e como administrador, mas conduziu a UFMG com firmeza, sempre sem fazer alarde. E soube promover mudanças quando houve reivindicações do corpo docente”, lembrou Sá Barreto.
Ana Lucia Gazzolla, reitora em 2002-2006, que também teve Cid Veloso como médico e amigo, começou na administração universitária como pró-reitora de Graduação, sob sua liderança. “Ele foi um dos grandes reitores que tivemos, viabilizou projetos extraordinários, vinculados, por exemplo, ao Hospital das Clínicas. Era justo e agregador, valorizava nosso trabalho e nos estimulava a ousar sempre mais”, ela disse.
Cid Veloso “fez a Universidade avançar”, na visão de Ronaldo Pena, que esteve à frente da UFMG de 2006 a 2010. Ele exaltou a capacidade de Veloso de escolher a equipe de gestão. “Três de seus pró-reitores [Sá Barreto, Vanessa Guimarães e Ana Lucia Gazzolla] chegaram a dirigir a Universidade, o que é apenas um exemplo de seus muitos acertos”, disse Ronaldo Pena, que contou um episódio para ilustrar sua admiração por Cid Veloso: “No primeiro ano de seu mandato, em um momento em que os recursos haviam acabado, ele garantiu a realização de um congresso que eu organizava. Argumentou que não se podia quebrar o compromisso com participantes que vinham de todo o Brasil”.
Integrante da oposição no processo de consulta à comunidade que levou à escolha de Cid Veloso para comandar o Reitorado em 1986, Clélio Campolina – reitor em 2010-2014 – foi convidado, ainda assim, para presidir o Conselho Curador da Fundep. Convivemos por quatro anos e nos tornamos amigos. “Foi um homem correto e absolutamente institucional, além de muito afável no trato pessoal”, elogiou Campolina.
“Cid foi dirigente inovador na Faculdade de Medicina, do Hospital das Clinicas, da UFMG e da Casu. No seu reitorado, ampliaram-se a infraestrutura, as atividades acadêmicas da Universidade e o diálogo com a sua comunidade”, atesta o professor Tomaz Aroldo da Mota Santos, que foi reitor da UFMG de 1994 a 1998 e, desde o ano passado, dirige a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
Tomaz destaca ainda a atuação de Cid Veloso como reitor durante a Assembleia Nacional Constituinte, “em defesa da universidade pública e da política de saúde, especialmente na criação do Sistema Único de Saúde”.
Ideologias à parte
Pró-reitor adjunto de Planejamento na gestão de Veloso, Marcelo Parizzi ressaltou qualidades “raras e excepcionais” do então chefe, como a humildade. “Ao fim de seu mandato, quando um prédio anexo do HC estava quase terminado, sugerimos que fizesse um evento de inauguração. Ele respondeu que não havia necessidade, e que seu único propósito era entregar ao sucessor o prédio em condições de uso”, relatou Parizzi, lembrando também a disposição de Veloso para escolher auxiliares competentes, independentemente de diferenças ideológicas.
Companheiro por mais de 40 anos, desde a época de aluno da Faculdade de Medicina, o professor Geraldo Cury chamou a atenção para o pioneirismo de Cid Veloso ao apoiar o programa de internato rural, que leva estudantes de medicina ao interior do estado. “Foi uma grande figura humana e um grande médico, além de conhecedor de música, cachaça e torresmo”, lembrou.
A professora Efigênia Lage, que foi chefe de gabinete do reitor Cid Veloso, preferiu destacar uma pessoa que "tinha o dom de manter a tranquilidade", em todas as situações e aspectos. "Ele vai estar sempre presente", afirmou.
A trajetória de Cid Veloso na UFMG foi marcada também pela dedicação à Casu, caixa de assistência à saúde dos servidores. O professor Marcos Roberto Ribeiro, hoje diretor de Relações Interinstitucionais da entidade, exaltou o papel fundamental de Veloso, que nunca interrompeu o trabalho, desde a criação da entidade, em 1993. “Ele deu credibilidade à Casu e ajudou a realizar o sonho de uma assistência efetiva à saúde de professores e técnicos.”