Fabricantes driblam a lei para não exibir lupa de advertência no rótulo de alimentos
Reportagem da Rádio UFMG Educativa aborda estudo sobre o macarrão instantâneo e discute a importância da nova lei de rotulagem e os problemas que o consumidor enfrenta com a falta de transparência
A Rotulagem Nutricional Frontal (RNF) foi implementada por lei no Brasil em 2020. O prazo para sua adoção completa termina em 2025, substituindo a antiga regra de 2001. Entre as novidades, a mais importante é a obrigatoriedade de impressão de um ícone de lupa preta na parte da frente das embalagens, acompanhada da indicação “alto em”, para produtos que tenham quantidades excessivas de açúcares adicionados, gordura saturada e sódio, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Diversos estudos relacionados à RNF têm sido realizados no país desde então. Na UFMG, integrantes do Grupo de Pesquisas em Ciência de Alimentos e Nutrição (Pecan), da Faculdade de Farmácia, têm se dedicado ao tema. Alguns dos produtos que chamaram a atenção pela falta da lupa na embalagem foram o macarrão instantâneo, o achocolatado e o refrigerante. Entre as investigações dos pesquisadores destaca-se a análise das embalagens de 2 mil produtos, entre janeiro e março de 2024. Foram constatadas falhas na aplicação da lei da rotulagem, o que inclui alimentos que deveriam conter advertências até ultraprocessados, como os já citados, que deveriam apresentar a lupa, mas acabam driblando a norma.
No caso do macarrão instantâneo e do achocolatado, isso ocorre porque se trata de alimentos que precisam de um preparo com adição de outros ingredientes para serem consumidos. Para isso, a medida de sódio e açúcar adicionado considera o produto preparado segundo as instruções dos fabricantes. É por meio desse mecanismo que as empresas ficam de fora da obrigatoriedade de exibir a lupa no rótulo frontal desses alimentos.
Normas de regulamentação e saúde pública
Depois do cozimento e da adição do tempero artificial, com menos água do que a embalagem indica, como feito no dia a dia, um pacote de macarrão instantâneo pode conter até 70% da quantidade de sódio recomendada para um dia inteiro, em uma única refeição. De acordo com Lucilene Rezende, professora do Departamento de Alimentos da Faculdade de Farmácia da UFMG e integrante do Pecan, a brecha na lei que autoriza a venda do ultraprocessado sem advertência de excesso de sódio acaba por anular o efeito da nova legislação, desinformando o consumidor.
“Precisamos alertar a população, e eu tenho muito receio ao pensar como o consumidor vai entender isso. Se ele sabe que a presença da lupa indica um produto que não é saudável, o que ele vai pensar quando não vir a lupa no macarrão instantâneo?”, questiona.
Em outra pesquisa realizada pelo Pecan, foram analisadas 12 marcas de macarrão instantâneo e constatou-se a ausência da lupa de advertência. A investigação vai se desdobrar em artigo científico que deve ser apresentado em outubro, durante o Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos, em Florianópolis (SC). Crislei Gonçalves, integrante do grupo e doutoranda em Ciência de Alimentos pelo Programa de Pós-graduação em Farmácia, destaca o que o Pecan almeja alcançar com a divulgação dos resultados desse estudo. “Esperamos levar isso para a comunidade, para ela também passar a ter uma visão crítica sobre os alimentos que estão recebendo lupa para altos [teores] de açúcares adicionados, gordura saturada e sódio, e os que não estão recebendo. É importante que o consumidor olhe para o produto alimentício nas gôndolas e faça uma análise crítica sobre ele. Gostaríamos muito que a população entendesse um pouco mais sobre rotulagem, que é um assunto muito complexo”, argumenta.
Um panorama da nova lei de rotulagem e o caso do macarrão instantâneo estão relatados na reportagem de Bruno Pereira, com trabalhos técnicos e sonoplastia de Bê Tybumribá. Ouça.
(Bruno Pereira, sob orientação de Alessandra Dantas e Luiza Glória)