UFMG participa do sequenciamento de 19 genomas do coronavírus
Realizado com vírus isolados em pacientes de cinco estados, estudo reforça necessidade de isolamento social e testagem massiva
Em uma força-tarefa realizada no último fim de semana, pesquisadores da UFMG, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sequenciaram os primeiros 19 genomas do novo coronavírus de pacientes de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Sul e São Paulo, ampliando a cobertura nacional da vigilância genômica viral.
Realizado no tempo recorde de 48 horas, o trabalho contou com a colaboração de vários estudantes de pós-graduação brasileiros e de pesquisadores do projeto Cadde (Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), que é fruto de uma parceria da USP com a Universidade de Oxford, na Inglaterra.
A análise dos dados genéticos gerados indica que o vírus SARS-CoV-2, que é a causa da doença Covid-19, entrou no Brasil vindo, sobretudo, da Europa, com alguns casos – em menor número – importados da China. Mais importante que isso, o estudo também comprovou geneticamente que, no Brasil, já está ocorrendo transmissão comunitária do vírus, ou seja, já existe uma circulação livre do vírus pelo país, sendo transmitido aleatoriamente de pessoa para pessoa.
“Chamamos de transmissão comunitária aquela em que já não é mais possível mapear a origem do vírus”, explica o professor Renato Santana de Aguiar, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), um dos cientistas da UFMG envolvidos no trabalho. “São pessoas que não possuem relatos de viagem [de si mesmas ou de pessoas próximas com que tiveram contato], mas que já estão sendo infectadas em nosso país", acrescenta.
“Até então, a gente só tinha indício dessa transmissão comunitária, mas nossos estudos demostraram, de maneira genética, que ela está ocorrendo, na medida em que, ao compararmos os vírus brasileiros, percebemos que eles se parecem mais entre si que com aqueles que tinham sido importados de casos internacionais”, explica. Segundo Aguiar, o resultado obtido pela pesquisa é um alerta para o Brasil. “Esses resultados reforçam a necessidade do isolamento social e de testagem como medidas preventivas da transmissão da Covid-19 no Brasil”, garante.
Da UFMG, além de Renato Aguiar, estiveram diretamente envolvidos com o trabalho os pesquisadores Mauro Martins Teixeira, professor do Instituto de Ciências Biológicas, e Cristiano Xavier Lima, da Faculdade de Medicina. Também estiveram à frente do mapeamento Ana Tereza Vasconcelos, do LNCC, Amilcar Tanuri, da UFRJ, Ester Sabino, da USP, e Nuno Faria, da Universidade de Oxford. A pesquisa contou com suporte das fundações de amparo à pesquisa dos estados de Minas Gerais (Fapemig) e do Rio de Janeiro (Faperj), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), do CADDE e do LNCC.
As amostras usadas, por sua vez, foram coletadas de pacientes atendidos pelos laboratórios Hermes Pardini e Simile Medicina Diagnóstica, de Belo Horizonte, e pela UFRJ, no Rio de Janeiro, o que possibilitou o sequenciamento de genomas de pacientes não apenas de Minas Gerais, foco inicial do trabalho, mas também do Rio de Janeiro, de Goiás, de São Paulo e do Rio Grande do Sul. O sequenciamento dessas amostras foi realizado no Laboratório de Bioinformática do LNCC, em Petrópolis.
O vídeo a seguir ilustra a intensidade do trabalho realizado no fim de semana pelos pesquisadores das três instituições:
Entrevista / Renato Santana de Aguiar
Por que é importante sequenciar o genoma do vírus?
O sequenciamento do genoma é extremamente importante em qualquer epidemia viral, porque é por meio dele que identificamos o vírus. Além disso, para criar diagnóstico, principalmente diagnósticos moleculares, que detectam os ácidos nucleicos virais, precisamos saber a sequência do genoma daquele vírus: é o sequenciamento que vai possibilitar a criação de testes específicos, que consigam detectar vírus com alta sensibilidade, sem confundi-lo com outros vírus que causam os mesmos sintomas, como no caso dos patógenos respiratórios.
Mas por que é importante sequenciar os genomas de vários exemplares do mesmo vírus?
Isso é extremamente importante, sobretudo, para estudos filogenéticos, estudos de filogeografia, e da dispersão da epidemia. Ao sequenciar os genomas de vários exemplares do vírus, conseguimos perceber as semelhanças genéticas entre eles, e, considerando os dados de região geográfica dos pacientes em que esses vírus foram isolados, conseguimos teoricamente inferir a origem desse vírus, por onde ele está circulando e para onde está se dispersando. Esse é um vírus de RNA, que possui alta taxa de mutação. Na medida em que vai passando por diferentes pessoas e vai sendo levado para diferentes regiões geográficas, ele vai mutando naturalmente. É com base nessas mutações que conseguimos rastrear teoricamente de onde ele veio e para onde está indo.
Como esses dados podem colaborar para o combate à epidemia?
Eles podem ser usados por nossas agências de controle, por exemplo, para identificar clusters de transmissão, ou seja, localidades em que o vírus está circulando em maior quantidade, em diferentes regiões geográficas ou até mesmo bairros, e então saber onde é preciso intervir de maneira mais intensiva com diferentes medidas, como o isolamento social.
Como foi possível fazer esse mapeamento em tão pouco tempo?
Usamos a plataforma portátil denominada MinIon, que é muito pequena, se comparada com os sequenciadores antigos, e que possibilita uma metodologia rápida de geração de genomas. Além disso, realizamos o trabalho no LNCC, em Petrópolis, que conta com o supercomputador. Ele acelerou ainda mais o processo da geração de genomas e análise de dados.
Em vídeo da TV UFMG, o professor Vasco Azevedo, também do ICB, fala sobre a importância do sequenciamento genético.