População negra é mais vulnerável ao novo coronavírus
Racismo institucional dificulta acesso aos serviços de saúde, segundo professor da Faculdade de Medicina
Entidades denunciam que as populações negras estão mais vulneráveis ao coronavírus do que os brancos. De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado na semana passada, 60% das pessoas hospitalizadas por síndrome respiratória aguda grave no Brasil são brancas. Quando se observam os números de mortes ocasionadas por essa mesma síndrome, com a confirmação da Covid-19, os brancos representam 52% das vítimas. As pessoas pardas ou pretas representam 37% dos pacientes hospitalizados e 45% das mortes confirmadas por Covid-19.
O Ministério da Saúde começou a informar a cor ou raça das pessoas infectadas pela doença no dia 10 de abril, atendendo a um pedido da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e da Coalizão Negra por Direitos. No entanto, esses dados, segundo especialistas, dizem menos da incidência da doença do que da desigualdade no acesso à saúde no Brasil. Um desses especialistas é o coordenador da Liga Acadêmica de Medicina de Família e Comunidade, Ricardo Alexandre de Souza, professor da Faculdade de Medicina da UFMG.
Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, nesta quarta-feira, 6, Ricardo de Souza alertou para o negligenciamento no atendimento a pessoas pretas e pardas nos serviços de saúde do país. Segundo o médico, o baixo número de testes disponíveis no país está contribuindo para a subnotificação da Covid-19 nessas pessoas.
“Provavelmente, as pessoas de cor preta e parda estão sendo negligenciadas e estão tendo menos acesso a atendimento e a exames. Isso é real e causa uma falsa informação de que os brancos são mais infectados, o que é bem improvável”, avaliou.
O especialista alertou, no entanto, que a falta de exames para detecção da Covid-19 é uma realidade não só do Sistema Único de Saúde (SUS), mas também da rede particular. “Hoje, na rede pública, os exames são feitos em casos graves e de morte. Na rede privada, só em casos extremos, nem mesmo em todos os casos graves”, explicou.
Trabalho x atenção à saúde
Em sua experiência como médico de família no país, Ricardo de Souza observa que, no caso das pessoas pretas e pardas, há, no Brasil, um conflito maior entre o adoecer e o se cuidar. De acordo com dados do IBGE de 2019, dos 13,5 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos ou pardos.
Por terem de trabalhar para garantir o sustento e ocuparem grande parte dos subempregos e das atividades informais, o que as expõe a um risco maior e frequente, essas pessoas só procuram o atendimento em último caso. “Elas não procuram atendimento nos primeiros sintomas, não são diagnosticadas. Quando os casos se agravam, e elas chegam ao hospital, normalmente não há mais tempo de reversão”, afirmou.
De acordo com o médico, a situação, “que já é ruim para todos”, para a pessoa preta é ainda pior, porque começa com a desigualdade social que leva, entre outras coisas, à falta de acesso ao hospital. “Não há como discutir que há um racismo estrutural. A gente precisa reconhecer as desigualdades étnico-raciais, e esse racismo institucional é um determinante social das condições de saúde dessas pessoas. Precisamos promover a equidade de saúde, melhorando, assim, suas condições de vida”, defendeu Ricardo de Souza.