Pesquisa e Inovação

Presidente da Embrapii defende aproximação entre universidade e indústria

Em visita à UFMG, Álvaro Prata destacou efeitos transformadores e mostrou resultados obtidos em uma década de atuação da instituição

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Embrapii incentiva empresas a apresentar seus gargalos tecnológicos e se conectar a unidades com competência para solucioná-losFoto: Raphaella Dias | UFMG

A aproximação das instituições de ciência e tecnologia com o setor produtivo deve ser fortalecida como estratégia para ampliar a competitividade nacional. A avaliação é do presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Álvaro Prata, que ministrou palestra no auditório da Reitoria na tarde desta segunda-feira (4). Ao longo da exposição, intitulada Desafios e oportunidades de parcerias tecnológicas entre indústria e universidade, Prata destacou que as unidades Embrapii têm acelerado projetos inovadores, gerado mudanças culturais duradouras e estabelecido pontes sólidas entre a academia e as empresas.

Criada no início da década de 2010, a Embrapii é uma organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação que atua como elo entre institutos de pesquisa e o setor produtivo. Seu objetivo é fomentar a inovação tecnológica no país, financiando projetos de pesquisa aplicada e o desenvolvimento de soluções demandadas pela indústria. O modelo de atuação baseia-se no cofinanciamento: a Embrapii aporta parte dos recursos enquanto a instituição executora e a empresa parceira arcam com o restante. Dessa forma, o risco para a empresa é reduzido e o conhecimento acadêmico encontra aplicação direta na economia.

A criação da Embrapii, de acordo com o presidente, foi inspirada em modelos internacionais, como o instituto Fraunhofer, na Alemanha, para operar de forma ágil, flexível, com o mínimo de burocracia e próxima das demandas empresariais. “Em vez de criar novas unidades do zero, optamos por credenciar grupos de pesquisa já consolidados em diferentes áreas. Hoje, são 91 unidades em todo o país”, relatou. Três delas estão baseadas na UFMG.

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Prata: menor risco para as empresasFoto: Raphaella Dias | UFMG

Números expressivos
Como explicou Álvaro Prata, a Embrapii cobre uma parte significativa do valor dos projetos e não exige devolução desse dinheiro. Isso reduz significativamente o custo real para a empresa. "No caso de um projeto orçado em R$ 600 mil, a Embrapii pode bancar R$ 300 mil, a unidade executora entrar com mais R$ 100 mil e, com o apoio do Sebrae, a empresa paga só R$ 60 mil. Ou seja, ela arca apenas com 10% do total. Só não vai fazer se não quiser", ilustrou.

Em 11 anos de atuação, a Embrapii contratou 3.384 projetos, envolvendo 2.301 empresas — 63% delas micro e pequenas. Atualmente, há 1.136 projetos em execução, que somam R$ 6,5 bilhões em investimentos, com participação média de 16% das unidades, 34% da Embrapii e 50% das empresas. Em Minas Gerais, as 13 unidades ativas já desenvolveram 98 projetos, envolvendo 295 empresas e movimentando R$ 492 milhões em inovação.

Apesar dos resultados expressivos, Álvaro Prata reconhece que ainda há barreiras culturais para a aproximação entre indústria e academia. Instituições menos consolidadas, segundo ele, tendem a perceber com mais clareza a importância dessa interação, enquanto o oposto costuma ocorrer no caso das universidades com forte reputação científica. “Nosso papel é aproximar os dois lados, mas isso exige prospecção ativa. Em média, são necessárias 14 negociações para fechar um único projeto com a indústria”, revelou. Nesse sentido, a Embrapii promove encontros em que incentiva empresas a apresentar seus gargalos tecnológicos e se conectar a unidades com competência para solucioná-los. Até então, a estratégia foi mais eficaz no Nordeste, onde, proporcionalmente, as unidades da Embrapii realizam o dobro de projetos em relação às do Sudeste.

De acordo com Álvaro Prata, as unidades Embrapii costumam provocar mudanças internas nas instituições que as abrigam, ao envolver alunos de graduação, mestrado e doutorado em projetos concretos com empresas. "Esses ambientes contribuem para reduzir a evasão e aproximam a formação acadêmica das demandas do mercado. Além disso, quando um grupo atinge alta performance na interação com o setor produtivo, essa cultura tende a se espalhar para outras áreas da instituição”, argumentou.

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Marcelo Prim: Centros de Competência são parceiros no processo de desenvolvimento da tecnologiaFoto: Raphaella Dias | UFMG

Expansão
Na sequência, o diretor de operações da Embrapii, Marcelo Prim, apresentou um instrumento que complementa o modelo tradicional das unidades: os Centros de Competência. Inspirados em experiências da Europa e dos Estados Unidos, esses centros focam em áreas emergentes cujas demandas ainda não estão plenamente estruturadas – como computação quântica, tecnologias de RNA mensageiro, insumos farmacêuticos ativos (IFAs), biomarcadores para doenças degenerativas e hidrogênio de baixo carbono.

Nesses casos, explicou Marcelo Prim, as empresas muitas vezes não sabem exatamente do que precisam, e a relação com o grupo de pesquisa assume um formato de “codesenvolvimento”. "Diferentemente das unidades tradicionais, nas quais a empresa é cliente, nos Centros de Competência ela atua como parceira no processo de criação da nova tecnologia", descreve. 

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida ressaltou a intenção da UFMG de ampliar sua presença nas unidades Embrapii. “Queremos aumentar o número de unidades na Universidade. Atualmente, temos três – Softwares para Sistemas Ciberfísicos, Inovação em Fármacos e Vacinas (Farmavax) e Materiais Avançados e Nanobiotecnologia –, e a meta é chegar a seis ou sete, sempre com o apoio fundamental da Fapemig”, projetou.

O presidente da Fapemig, Carlos Arruda, lembrou que, desde 2023, a Fundação vem atuando para fortalecer as parcerias tecnológicas entre indústria e universidades mineiras. “Hoje, apoiamos as três unidades da UFMG e outras dez no estado. Nosso objetivo é ampliar essa rede e criar condições para novas unidades”, afirmou. 

As apresentações foram seguidas de visita ao Departamento de Ciência da Computação (DCC), que abriga a unidade de Softwares para Sistemas Ciberfísicos. Na manhã desta terça-feira (5), a comitiva conheceu a Farmavax – que congrega os centros de tecnologia (CTs) em Vacinas, Medicina Molecular, Terapias Inovadoras e Nanobiomateriais – e, à tarde, foi recebida na unidade sediada no CTNano, o Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno. 

Gestão e prospecção
Os dirigentes da Embrapii acompanham de perto o trabalho das unidades e interagem com as instituições que as abrigam. Em entrevista ao Portal UFMG, Álvaro Prata destacou que a Universidade mantém unidades atuantes, que "desenvolvem projetos de grande impacto, conduzidos por pesquisadores conceituados em ambientes propícios a pesquisa e à inovação". "Essas unidades mantêm gestão e governança ativas, são fortes na prospecção de projetos e têm atraído muitas indústrias", afirmou.

Prata demonstrou satisfação com o suporte garantido pela administração central da Universidade. Saímos daqui com impressão muito positiva. "Nossa expectativa é que as três unidades da UFMG sigam crescendo e que a Universidade credencie mais unidades, inclusive para o projeto dos Centros de Competência da Embrapii", disse.

Dirigentes da Embrapii visitam laboratório do DCC
Dirigentes da Embrapii em visita a laboratório do DCC Foto: Raphaella Dias | UFMG

As unidades da UFMG

A Unidade Embrapii Softwares para Sistemas Ciberfísicos, sediada no Departamento de Ciência da Computação (DCC), atua no campo dos sistemas que transitam entre o virtual e as estruturas físicas. Isso inclui coleta de dados – via sensores e robôs, por exemplo –, processamento, transformação em informação e armazenamento. Algoritmos utilizam esses dados como apoio em processos de tomada de decisão na indústria. Mais recentemente, por meio da inteligência artificial, são criados modelos de aprendizado dessas etapas.  

A unidade tem atendido empresas dos setores automotivo, minerador, siderúrgico, cada um com focos específicos. Ela executa projetos em conjunto com as empresas e contribui para a formação de estudantes, que participam dos projetos junto com os professores, sob o viés da aplicação prática.

São 35 os projetos contratados, envolvendo 29 empresas e valor total de R$ 26,7 milhões. Com mais de 20 anos de história de transferência de tecnologia, o DCC tem 61 professores, 30 técnicos, conta com 27 laboratórios de pesquisa e mantém cinco cursos de graduação e pós-graduação nota 7 da Capes.

O professor Martín Ravetti, coordenador da unidade, informa que, desde 2024, aumentou significativamente a demanda, em número, volume e complexidade. “Estamos reestruturando nosso plano de ação para fazer frente a esses desafios”, diz Ravetti. A equipe apresentou a estrutura da unidade e conversou com os dirigentes da Embrapii sobre esse salto de demanda e os caminhos a seguir.

Farmavax
A Unidade Embrapii Inovação em Fármacos, Biofármacos e Vacinas (Farmavax), criada em 2022, resulta da união de quatro Centros de Tecnologia vinculados à UFMG: o CT Vacinas, o CT Terapias Avançadas e Inovadoras, o CT Nanomateriais e o CT Medicina Molecular. Ali estão congregados mais de 70 pesquisadores que são responsáveis, ao longo de suas carreiras, por 350 patentes e mais de 1 mil artigos em revistas de altíssimo impacto.

Em três anos, o grupo trabalhou em oito projetos, três deles já finalizados. E mais três estão em processo de contratação. De acordo com o coordenador, professor Rubén Darío Sinisterra, a unidade encontra soluções para problemas de inovação nas empresas, dos testes de bancada aos clínicos, ou seja, abrange todo o processo de desenvolvimento de fármacos, vacinas e testes diagnósticos rápidos, entre outros produtos. Atende de startups a empresas de grande porte

“Temos uma grande concentração de talento humano, muito conhecimento acumulado dedicado à pesquisa básica, processos e produtos. A Farmavax é nova como unidade, mas não no campo da interação universidade-empresa. De 2022 a 2024, executamos projetos e aplicamos recursos previstos para seis anos”, conta Sinisterra, acrescentando que foi a primeira unidade a ser recredenciada pela Embrapii. Os recursos foram elevados dos R$ 5 milhões iniciais para R$ 43 milhões disponíveis para os próximos quatro anos. “O impacto da política pública para inovação veio para ficar. Está consolidado o sistema nacional de inovação, com participação das universidades”, afirma o coordenador da Farmavax.

Nano
A Unidade Embrapii Materiais Avançados e Nanobiotecnologia, sediada no CTNano/UFMG, oferece um conjunto de competências únicas na combinação de síntese, processamento e caracterização de nanomateriais, nanocompósitos e nanossensores de alto desempenho, atendendo às demandas tecnológicas de toda a cadeia de valor do nano, até suas aplicações finais.

O CTNano, o Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno da UFMG, tem foco no desenvolvimento de produtos, processos e serviços por meio da nanotecnologia. Ele está localizado no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC). Os principais setores atendidos historicamente são os de óleo e gás, mínero-metalúrgico e siderúrgico, da construção civil, automotivo e aeroespacial, mas os impactos transversais da nanotecnologia são demandados por vários setores industriais.

O CTNano dispõe de 13 laboratórios com mais de 500 itens de equipamentos de ponta para síntese, processamento e caracterização. Conta hoje com 130 integrantes, entre eles físicos, químicos, biólogos e engenheiros. “Essa composição diversa torna mais robustas as discussões e tomadas de decisão estratégicas”, assegura a coordenadora da Unidade, professora Glaura Goulart.

A unidade foi criada com acordo de três anos a partir de julho de 2023, com aporte Embrapii de R$ 3 milhões para a contratação de projetos com empresas. "Temos três projetos em andamento e estamos tramitando mais dois. Somos uma unidade ainda em estabelecimento", comenta a coordenadora.

Álvaro Prata e Marcelo Prim foram recebidos pelo coordenador da Farmavax, Rubén Sinisterra (à direita) e pelo pró-reitor de Pesquisa, Fernando Reis
Álvaro Prata e Marcelo Prim foram recebidos pelo coordenador da Farmavax, Rubén Sinisterra (à direita) e pelo pró-reitor de Pesquisa, Fernando Reis (à esquerda)Foto: Raphaella Dias | UFMG

Matheus Espíndola / colaborou Itamar Rigueira Jr.